É a época em que os homens se perderam da sua sombra.
Rareia a luz que projecta a silhueta preta dos corpos na calçada
branca. Orfãos de sombra os homens defrontam o mundo sozinhos e assustam-se.
Algures alguém da condição humana, de querer fazer uma escolha, má,
capturou a luz, fez a pior das escolhas.
Não foi ingénua essa decisão.
Pouco se pode fazer agora, a luta afigura-se desgastante e vã.
No epicentro da indecisão, nas opções naturais e outras inconcebíveis mas que
são opções, entre o estar quieto e dar sinais de vida, e enquanto ainda assim
se luta porque é cobardia desistir no que se acredita, a poesia ajuda.
A poesia não é ingénua, nem as artes, nem os engenhos do homem.
É criação e liberdade, e mesmo que o corpo esteja preso, a boca
cosida e muda, as mãos algemadas e sem movimento, a arte não se deixa capturar,
foge por entre as mãos dos carrascos que asfixiam o vazio e desesperam e urram,
brutos, porque por muitos corpos que capturem nunca conseguem agarrar o
essencial.
Por vezes é preciso um sofrimento insuportável para voltar a
haver luz. Mas nascerá um dia de personalidade vincada, decidido a abrir as
portas e as janelas e a escancarar essa ofuscante energia fundamental à vida.
No calendário desse dia, os homens vão recuperar a sombra e
completam-se de novo como homens.
Até lá, continue-se a ler poesia, na intimidade ou em voz alta,
que eles não entendem o como nos enchem esses intervalos de sonhos e levezas.
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