Miradeses tem um rio formoso e uma praia fluvial, e tem um
dólmen com uma caixa de correio verde dentro, e tem um cristo crucificado
dentro de um casinhoto branco com portas de ferro forjado igualmente verdes, e
amendoeiras com as suas flores a florirem antes de tempo, e produz provavelmente
um dos melhores tintos da região.
Do alto de Miradeses vê-se a serra de Santa Comba. Esta serra
guarda o segredo de uma lenda, da pastorinha, e de como Deus quando está
inspirado, opera grandes milagres.
Miradeses é uma aldeia resguardada na “terra quente”, em
Trás-os-Montes, assim como a serra de Santa Comba, 1041 metros – que não é uma
altura por-aí-além para ser notícia -, a pastora está encerrada num calhau
granítico que eles chamam fraga, é agora santa, e Deus, é Deus e está em todo o
lado.
Afinal Miradeses tem muita coisa, outras que não se contam agora,
só indo e só vendo.
Mas miradeses não é Paris, não é Berlim, não se localiza no
Paquistão, ou no Brasil, muito menos na Coreia do Norte, Macau, Barcelona ou
Verona, todos locais de sonho (dúvidas sobre a Coreia!), que disputam notícias
nas revistas que divulgam destinos de passeio, estimulando a curiosidade de
quem ainda não os visitou (não será o caso da Coreia que parece não ser muito
pretendida).
Miradeses é um local desconhecido, inexistente, ínfimo, tímido.
Que apetite desperta ao aparecer o seu nome numa revista de viagens?
O que pode Miradeses oferecer a um turista contemporâneo?
Tem um Mc Donalds com
um Mc Drive? Lojas de Khebab? Lojas de “recuerdos” fabricados na china? Quarteirões inteiros de hostel e apartamentos low cost? “Tuk-Tuk” a debitarem ruídos estridentes? Carteiristas competentes?
Terroristas e bombas imprevisíveis?
Miradeses não tem nada disso, e por isso não aparece nas
revistas de ócio e lazer, porque Miradeses é somente uma pequena e
desinteressante aldeia, onde se ouve o som do silêncio, as poucas pessoas
cumprimentam os transeuntes honestamente, a água é fresca, e as doidas das
amendoeiras, como se disse atrás, antecipam a Primavera desatando a florir
antes do tempo anunciado.
Quem está interessado num montículo que nem sequer tem altura
para ser serra, com a história patética de uma pastora-santificada? Para ver os
milagres de Deus vai-se a Fátima pôr uma velinha, ou a Lourdes assistir ao
desfile das cadeirinhas de rodas, isso é que é imponente.
Quase tudo em Miradeses e em Santa Comba é aborrecido e
enfadonho, não estimula o frenesim de um turista.
Ditas as coisas como ela são, Miradeses não pode mesmo aparecer
nas revistas, mas não faz mal, quem procura ambientes naturais pouco poluídos,
acabará por a encontrar.
Os outros, talvez a grande maioria, nem interessa que saibam da
sua existência, vão a Bruxelas, que é uma cidade linda, e visitem o berço da
Europa.
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