Nem um “ai” num boletim municipal, uma referência do Turismo de
Lisboa, nada!
Fomos a primeira start-up,
ainda o nome não existia, nem se sabia o que era (nem hoje).
Os comerciantes de Lisboa tinham uma ideia distante do idioma
espanhol, eram os caramelos e pouco mais; meia-dúzia tinha umas luzes esbatidas
do significado de quatro ou cinco palavras em francês, porque tinham familiares
nos bidonville à volta de Paris; o
Inglês falavam os bárbaros. Não se tinha visto a cara a um chinês, a um russo,
a um angolano com dinheiro.
A Avenida da Liberdade tinha consultórios médicos e cinemas. Em
Alfama o fado escorria pelas paredes dos botequins de copo “três” e atiravam-se
pelas janelas os restos das couves e das sardinhas do almoço. As conservas
andavam pelas ruas da amargura e nem nós as comprávamos – por muito bonitas que
fossem as embalagens.
Só havia dois tipos de alojamento temporário para pessoas em
trânsito: pensões com camas de casal partilhadas com percevejos e hotéis com
instruções em português no minibar.
O Cais do Sodré tinha a maior concentração de putas e
marinheiros sifilíticos por metro quadrado da península ibérica, era o local
com os nomes mais cosmopolitas da cidade: Tóquio, Jamaica, Copenhaga, Shandri-la….
O Terreiro do Paço era o parque de estacionamento mais moderno
da edilidade; quem se abeirasse do cais das colunas para uma photomaton, ficava com o cheiro do esgoto
a céu aberto impregnado nos próximos quinze dias, ou pelo menos até ao fim da
sua estadia. Ninguém fazia filas para visitar a Torre de Belém, que é bonita
por fora e monótona por dentro.
A PSP vestia cinzento e tinham uns abdominais de fazer inveja.
Os carteiristas do eléctrico 28 eram os mesmos de hoje – juntando
os romani - mas faziam muito menos dinheiro, porque os utentes eram os
desgraçados dos operários e pequeno-burgueses que viviam na Graça, e eram uns
tesos.
Os turistas, escassos, chegavam à estação de Santa Apolónia e
até chegarem à Baixa, passavam pela alfândega de Lisboa e todos os escritórios
de Despachantes Oficiais, a maior concentração de indivíduos com níveis
paranormais de testosterona e inteligência a condizer.
Não havia tuk-tuk, só Zundap e Fammel, que faziam a mesma poluição sonora mas transportavam tipos
com patilhas, cigarro ao canto da boca, botas de carneira, em vez de loiras
espampanantes e ruivos entediados.
Fomos nós, uma mão cheia deles, os primeiros “acolhedores” dos
turistas – mais elas, e não há uma consideração, uma referência abonatória, do
verdadeiro trabalho de divulgação que aporta agora, todos os dias, a toda a
hora, tantos euros e dólares e outras moedas manchadas de gordura, para riqueza da
nossa cidade.
Recebemos em nossas casas, conheceram os nossos pais e os amigos
mais tímidos, mostrámos todos os monumentos com explicações em linguagem
gestual elaborada, choraram com o fado, vibraram com o calor do nosso acolhimento
latino, fomo-nos despedir à Estação com uma garrafa de vinho do Porto, fomos os "Guis", a time-out em viva voz.
Inventámos o alojamento alternativo, qual hostel, qual city apartment!
Demos voltas à cabeça para os distrair da inexistência das lojas de gifts very typical paquistanesas, das
cadeias de fast-junky food, do pret-a-porter kitsch.
Era o que havia e eles gostavam, encantavam-se, e os que
verdadeiramente se apaixonaram da beleza da cidade e da naturalidade das suas
gentes, voltaram, repetiram, ficaram amigos.
Fizemos um grande trabalho, e agora temos que pedir a medo uma
bica e um pastel de nata de qualidade duvidosa, em inglês escorreito, sob pena
de correrem connosco da mesa de esplanada, que é só para consumo de turista.
E nem uma p… de uma medalhita de latão!
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