O nosso mosteiro é uma casa grande onde residimos os dois, em voto de desapego e contenção da palavra, a beleza ruidosa do silêncio. Eu sou o abade e o senhor Darwin é somente monge (fez votos há muito pouco tempo). Fazemos causa nossa cumprir com agrado essas regras monacais de simplicidade.
Só nos Domingos e dias festivos, falamos um
com o outro. Banalidades, para libertar espaço às palavras que se acumularam
nas nossas cabeças durante a semana. Consomem-se nesses dias, alguns vernáculos,
para limpar o palato da alma. Eu mais do que ele. Depois, em caindo de novo o
palco da segunda-feira, voltamos aos nossos exercícios espirituais e afazeres
místicos. Eu faço leituras em voz alta de Santa Teresa e a mística e o encontro
de Deus, mas não sei se o Darwin percebe, ou estando com o focinho baixo e
olhos semicerrados estará a rezar (rezamos em cântico gregoriano que é muito
mais apropriado a uma comunidade intelectual como a nossa), ou mesmo a dormitar
que o malandro às vezes deixa-se levar pelo pecado.
E assim vamos (eu mais convencido do que
ele), limpando as nódoas, umas bastante difíceis de tirar, do nosso desleixo
anterior. Comparamos, pois a vida mística a uma máquina de lavar roupa
competente.
O senhor Darwin nasceu para ser monge, eu nem por isso, mas como sou
o abade tenho de lhe dar o exemplo, porque senão ele desata a ladrar por tudo e
por nada e isso não o ajuda a fazer a sua alquimia da transformação da matéria intima
em energia pura e cristalina, como está descrito nos manuais.
Ainda não temos é nome para a nossa
irmandade, e continuamos à procura de Deus.
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