A minha doce Catarina. Ainda não sabia ser adulto e já tinha a minha Catarina. Não soube ser um bom padrinho, mas gostava de ser um bom padrinho. A Catarina ao colo da Isabel e do João. Acenando despedidas, na estação de Santa Apolónia. Ficou uma fotografia desse momento.
Os ecos de um amor traído, repenicavam por todas as ruas e becos da cidade, ecos insuportáveis.
Uns emigravam à busca do pão, eu emigrei à busca do esquecimento. E fui para a SuÍça – ía – nesse final de dia de Setembro, passageiro no Sud-Express. A Catarina espantada e bem-disposta, a Isabel e o João a disfarçarem alguma emoção, eu, cheio de medo do desconhecido, a fazer um sorriso de conveniência.
O comboio levava um carregamento de sonhos, dos que iam para a França e para a Suiça, uns às vindimas, quase todos com a esperança de poderem ficar e recomeçar as suas vidas com a dignidade que este país só dá aos espertos, esses, que deveriam ser os indignos.
Eu ia para me curar do amor e esquecer, que dizem ser o melhor remédio.
Era o tempo em que as carruagens ainda estavam divididas por compartimentos e no meu, viajava um casal de bascos e um jovem canadiano. Os bascos tinham vindo de férias para casa de um amigo deles, na Amadora. Regressavam encantados.
Naquela condição fascinante e misteriosa da empatia, sem falarmos as línguas uns dos outros, por palavras meias, e muitos gestos, iniciámos uma amizade efémera, que provavelmente só duraria o tempo dessa viagem. Bebemos cerveja, fumámos, rimos muito e abraçámo-nos no calor das coisas espontâneas.
Os bascos saíram em Irún e só fiquei eu e o jovem canadiano. Este estava a viajar pela Europa há um ano e tinha gastado entretanto, todos os recursos. Ia tentar as vindimas de setembro em França para fazer dinheiro para voltar ao Canadá. Na fronteira, os guardas franceses pediram os passaportes e os bilhetes de comboio., eu e o canadiano só tínhamos bilhete de ida. O canadiano foi autorizado a entrar em França e a nossa história acabou ali. Eu, recebi um carimbo no passaporte e uma interdição de entrar em França durante cinco anos, por tentativa de emigração ilegal.
Reencontrei o José (O basco do comboio) em Bilbao e generosamente ofereceu-me acolhimento. E fiquei a viver no país Basco. Cicatrizei as feridas de amor, quando somos jovens regeneramos as feridas a uma velocidade espantosa, e fiquei para sempre basco no compartimento do meu coração, onde visto a nacionalidade e a cultura dos lugares onde me senti em casa e fui feliz, e das gentes genuínas que se deram a mim, e eu a eles, sem preconceitos nem desconfianças.
Veio-me à memória essa fotografia na Estação de Santa Apolónia. As voltas que as vidas dão. Há uma coisa que não mudou: o sorriso da Catarina continua o mesmo. Herdou-o dos pais que também têm um belo sorriso.
Comentários
Enviar um comentário