Monte Gordo. Uma praia tropical. Para mim era e segundo a opinião do meu pai que percebia imenso de praias tropicais de nunca ter estado em nenhuma. Água quentinha. Para quem, como eu, estava habituado às temperaturas quase gélidas da praia de Paço d’Arcos, o mais longe que o meu avô nos levava, para branquear (aos olhos do mundo e bronzeá-la a ela), a amante que o acompanhava e que nós pensávamos que era nossa tia, esta água é mesmo quentinha. Quase sem ondas, anda-se e anda-se e estamos sempre com água abaixo das rótulas. E muitas conquilhas.
Foi uma paixão de rompante, a rasgar emoções que ainda não conhecia. Jurámos eternidade numa pista de carrinhos de choque. Em Monte Gordo.
Nesse relâmpago que nos entonteceu e revirou o mundo às avessas, apesar de estar a frequentar pela primeira vez uma praia tropical, consumi todas as férias, especado umas vezes à espera da abertura do recinto, enaltecido outras quando a via chegar, e íamos, cada um no seu carrinho, executar um longo bailado de aproximação e fuga, sem que nunca, uma única vez, tivéssemos, apesar de esboçado, chocado com as nossas viaturas. Era uma dança de enamoramento, a que executávamos, um triunfal bailado dos cisnes.
Era redondinha e tinha os olhos da cor tropical das águas da praia. Era tímida como eu, e foi fulminante: caímos os dois redondos, atingidos pelas setas do Cupido, enquanto no parapeito da pista dos carrinhos, aguardávamos a nossa vez.
Esqueci completamente a existência daquela praia magnífica, o arroz de conquilhas, os nervos constantes de um pai que julgava ser actor de teatro e a vida era uma representação constante, da minha mãe que não sabia onde estava e pouco lhe importava, da energia inesgotável do meu irmão e da bonomia dos meus tios que tinham a paciência de ir connosco de férias.
Chamava-se Constância. Depois de gastar todos os proventos e moedas soltas nos bolsos das calças do meu pai, em fichas de carrinhos de choque, ao fim de duas semanas tinha aprendido todos os truques e subtilezas desses veículos de diversão. No último dia, finalmente, demos um beijo. Um só beijo. Fugaz, impreparado, mais incómodo do que apetecível. Mas pareceu infinito.
Ainda hoje quando me lembro da Constância sinto o sabor desse primeiro e derradeiro beijo. Que será feito da Constância? Foste real ou um sonho de um dia de verão?
Afinal, Monte Gordo não é uma praia tropical e as conquilhas também já tiveram melhores dias.
E à medida que se envelhece chegam as memórias dos beijos de meninos...e é tudo tão distante quanto bonito, mesmo que às vezes tenha existido um bocadinho de dor.
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