O tempo, esse inexorável carrasco dos sonhos, cilindrou o
meu desejo, empurrou-me para outros futuros. Começo a chegar tarde a tudo e as
portas fecham-se com estrondo perante a minha incredulidade.
Quando era pequeno, quando ainda podia ser tudo, até o impossível,
queria ser marinheiro e possuir um belo barco de madeira envernizada e desfraldar
no mastro, no seu pináculo, uma bandeira com um sol sorridente e amarela. Não
tinha mais ambições senão trajar de branco puro e azul da cor do mar imenso, e
ter um chapéu daqueles, tão lindos. Sentava-me horas perdidas a não fazer nada
mais do que a olhar os veleiros e outros iates, atracados na doca de Belém. Comparava
uns com outros, o tamanho ideal, a área do velame para apanhar bons ventos e
grandes velocidades náuticas, que instrumentos necessitaria para me ajudar a
encontrar o rumo certo, dos pontos cardeais. Tomava decisões na minha cabeça e
enquanto os outros miúdos jogavam a bola e andavam de bicicleta, eu ali ficava
a imaginar como seria o mar da Antártida, e as bonanças do Oceano Índico, que
para mim, não sei porquê, nem o explico, só podia ser verde, de um verde-esmeralda,
enquanto os outros, nos tons de azuis e chumbos, consoante estivessem meigos ou
mal-humorados.
Durante muitos anos esse foi o meu sonho mais íntimo e
valioso, e acalentei sempre a esperança de que um dia, inesperado, sem mais
explicações nem inconvenientes, embarcaria no meu barco e diria um adeus
definitivo ao passar a Torre de Belém, onde os meus familiares e amigos, uns
chorosos, outros felizes pela minha felicidade, se despediam mais ou menos
efusivamente, consoante os seus feitios diversos.
Não aconteceu desse modo, o tempo atropelou-me, gastei uma
vida a fazer fisioterapia e a recuperação não foi toral. Esqueci esse sonho até
que o emprateleirei na secção das memórias inúteis do meu pensamento, e tornei-me
outras coisas que não sabia que iria ser nem as tinha sonhado para mim.
No entanto, reparo agora que me vou afastar e iniciar um
caminho novo e desconhecido, agora que me tornei caçador frustrado de moinhos
de vento, e nem escudeiro tenho para me acompanhar ao final das jornadas, que afinal
sempre vivi com o mar à distância do meu olhar.
Acabei por navegar em terra e espraiar os episódios dos
dias, distraindo-me com as volutas do fumo adocicado e lento que se escapava do
meu cachimbo, quando ao final da jornada, atracava eu, no murete da minha
varanda, como se estivesse e estava, debruçado sobre a amurada do meu magnífico
barco, que nunca possui nem viajei. E se nunca conheci o Adamastor, também não
tenho pena, outros dos meus e antes de mim, puseram-no no lugar, domesticando
as suas raivas.
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