Homens e mulheres salgam peixe e fabricam garum, condimento apreciado. Cá fora, na
orilha da água verde e pacífica, um areal dourado e seguro, duas crianças
brincam com conchas e seixos, inventando mundos e utopias. Porque são crianças
e brincam, estão abstraídas. No final da praia, pescadores curtidos, enrugados
por sóis intensos dos dias passados assim, estão sentados nos passadiços do
cais palafítico, reparam as redes. Partem logo, ao cair da noite. Está lua
cheia, augúrio de boa pescaria. Alguém os visse no mar e seriam pirilampos, no
efeito do piscar das velas de parafina batidas pelas brisas, que iluminam
esparsamente as embarcações, ajudando as manobras, ou é para se sentirem mais
seguros. Luz é vida,
Enquanto
brincam, as crianças não sabem que do outro lado do mar feito do estuário de um
rio, o sado, também há pequenas aldeias de pescadores e grandes produções de
sal, a sementeira do mar. Na fábrica, que alimenta o império romano até aos
seus confins e terra incógnita, a salga do peixe é uma produção contínua, são
as conservas mais famosas do mundo mediterrâneo.
Tudo isto se passa na ilha de Ácala nos tempos
de civilizações resolvidas. Prestam-se cultos aos mistérios de mitras; homens e
mulheres executam tarefas, concentrados e sérios; os pescadores dão nós nas
redes como se cantassem ladainhas, em ritmo suave, sem pressas de não terem de
ir a lado nenhum; as crianças fazem o trabalho mais importante: brincam a
aprender a salgadores de peixe, a pescadores, a imperadores de um império,
verdadeiro ou imaginário, tanto faz, o que importa é levar o sonho até ao fim.
Algumas vingaram, procriaram cadeias de transmissão e ainda hoje andam por
aqui, executando outros movimentos mas sempre admirados e repletos quando olham
para o mar e lhes batem no coração memórias de coisas muito antigas, que eles
não conseguem compreender: são a imagem sem som das duas crianças a brincar às
conchinhas na orla da praia nessa península-ilha de Tróia.
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