Deixou de ter ideias, fosse do que fosse.
Faltando essa companhia, emudeceu, depois de ter ponderado.
Passou a ouvir com atenção os pássaros, ouviu-os tão
profundamente, que os entendeu.
Não seria por isso que iria revelar aos outros homens o que dizem
os pássaros. Manteve-se silencioso.
Virou-se para o miar dos gatos. Acontece que estes seres subtis
falam muito pouco e são por natureza misteriosos, inexpugnáveis. Não disse
nada a ninguém sobre esse tema delicado.
Olhou para os cães com olhos de os querer ouvir.
Quando ganhou o conhecimento do que diziam, não o espantou que o
dissessem, mas também não o iria revelar. Eram cães, os homens que os entendessem.
Neste estudo dos idiomas e das línguas, distraiu-se com o tempo.
Esqueceu-se, o próprio um poliglota, de falar.
Resolveu, a sua última resolução, que já eram resoluções
suficientes para uma existência: iria escutar o que diziam os homens.
Curioso, a tempo de os vir a entender.
Não se sabe o que aconteceu. Chegados a este ponto é impossível
rematar um desfecho.
As pessoas que o veem regularmente, nos pequenos comércios do bairro,quando lhe dão os bons dias, asseguram que ele abre luminosamente os olhos cinzentos que lhe coube na sorte da vida,
Mas não se sabe o que dizem os seus olhos, continua sem falar. Será
daquela doença das ideias que ele teve? Será que já não foi a tempo de reaprender
a falar? Ou é um sábio?
Esta é a opinião partilhada por alguns vizinhos que quando
se cruzam com ele, acham que emana uma energia.
Um homem habitualmente banal, ganhou uma aura mística porque deixou de ter ideias.
(*) Credits Janet Widel
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