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A RIA DA TERRA ESTREITA






A certas horas do dia, de alguns dias, quando o sol ainda mal desperta e não cobre toda a criação de um calor abafado e algarvio; quando passam lentamente pedalando bicicletas ferrugentas, velhos com camisolas de cores garridas e gastas, alguns de cigarro pingando no canto da boca; os pássaros treinam os primeiros voos com bateres de asa preguiçosos; a ria, na doce quietação de estar a terminar o seu sono reparador apresenta-se em momentos destes, particulares, como um espelho de água.

O único movimento digno de nota que anuncia a vida, quase imperceptível, é um ondular mínimo, um pequeno fluxo das águas superficiais, como um mexer de lençóis que faz imaginar a existência de um corpo escondido neles, debatendo-se com a decisão de despertar ou continuar a dormir.

Tudo tão purificado, parece um sonho, uma esperança renovada: a ria assim, a terra estreita à espera de visitantes, a aldeia com nome de santa, de janelas humildes e algumas presumidas, com os olhos ainda fechados, nem sussurrando sequer, para não acordar as sereias – porque são sereias os seres que afinal dormem debaixo do lençol de água.

As mulheres dos homens do cigarro desanimado, preparam em casa o café da manhã, aguardando pela sua chegada, curiosas de saberem se neste princípio de um maravilhoso dia, eles conseguiram do mar o ganha-pão da vida.

As outras mulheres e os outros homens e as suas crianças e animais de estimação, despreocupados destas coisas fundamentais, põem igualmente uma grande expectativa de que seja um bom dia de verão. Alguns mesmo, pensam nestas poesias enquanto tomam um café numa esplanada acidental, onde os empregados não olham sequer para a beleza da ria, porque a têm embebida neles, gente da terra.

É nesse instante fugaz, antes das fadas-sereias abrirem os olhos, que os homens melhor sentem esses mistérios e essas forças espirituais, os homens que olham para o roçagar desses finos lençóis. Os outros, já se disse: estão de pequenos, tatuados deles.

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