Quero morrer. Sobretudo, estou cansado, tanto. Estou cansado e é
tão valioso esse sofrimento como estar eufórico. São coisas de cada um, íntimas,
e sendo seguidor da tradição - que não se discute - relembro um ditado que diz”
entre o homem e a mulher não se mete a colher”.
Decisões destas, que só se toma uma vez na vida, ou nunca, são
assuntos caseiros. Da cabeça de cada um, que dando a falsa impressão de os
pensamentos serem um encadeamento monocórdio e de monólogos, isso não é
verdade. São uma conversa interior, como um assunto de marido e de mulher.
É por isso que eu quero morrer, por estar num túnel sem saída
que se veja, não saindo do mesmo sítio. Não que o queira, todos queremos é
viver, mas quando as condições se põem descaradamente insuportáveis, sejam pelo
fastio absoluto do estado de continuar vivo, com o depósito da alegria vazio,
então, quero mesmo morrer.
Quero fazê-lo sem incómodos para ninguém. Para os diáconos que
os dispensei há muito. Quero morrer porque tenho um enjoo inultrapassável e os
poucos amigos que não me visitam há muito tempo, nem os vizinhos que não se
lembram da minha cara e dos olhos curiosos que o foram até tarde, não precisam
de ficar com remorsos. Perdoei-os quando vim para aqui.
Queria e quero morrer mas não posso, é uma impossibilidade de
decisão sobre o meu corpo e o meu etéreo, publicada por decreto.
Sou obrigado a continuar a olhar nos dias que são intermináveis, por
uma nesga dos olhos semicerrados, vendo muito mal os ramos de uma árvore que
desconheço o nome, abanando como se supõe ser o efeito causado pelo vento que
já não estala vigorosamente na minha cara pedinte de ventos e vigores. É a mais
vil das torturas infligidas.
Ninguém teve a decência de me vir perguntar.
Eu quero morrer e a única coisa que ainda consigo fazer, é dizer para
dentro de mim mesmo, em surdina “grandessíssima
hipocrisia!”.
Não me atendem.
A seguir, fico ainda mais cansado por me ter enervado, para nada.
Meio-adormeço, até que a dor lancinante do cansaço, venha de novo abraçar-me, e
eu aqui, já sem força nenhuma para repelir para longe essa puta que se insinua
na cama que nem é a minha, é articulada.
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