Uma história repetida vezes sem conta que
parece o desfiar de um rosário. Veio para cidade, de uma aldeia perdida no nome
e no conhecimento das pessoas, menos as poucas que lá viviam pobremente.
Currelos, Viseu. Veio servir, mas não quis. Foi trabalhar aos doze anos para
uma oficina em Campo de Ourique, a desmanchar livros, é assim que começa o
ofício. Como era curiosa aprendeu a arte de encadernar. Aos dezassete anos
comprou o negócio. Quinhentos escudos.
Viveu tempos difíceis, menos difíceis,
são sempre difíceis.
Agora que poucos
apreciam os livros de os ler e de os afagar, porque vive de uma pensão de
viuvez, trabalha a dias, e alguns desses dias, poucos e que deviam ser todos,
ainda consegue exercer a sua arte, mas gostaria de o fazer a tempo inteiro, já
não dá.
Anos atrás, num
dia em que provavelmente boleava um livro, entretida com os sons da radio,
entrou-lhe porta adentro um senhor estrangeiro. Italiano e engenheiro de Cabora
Bassa. Veio encomendar um livro das relíquias do Papa Pio XII, que está algures
nos tesouros do Vaticano, onde ninguém a conhece, mas alguém admira a sua obra.
Embaixadores do
mundo, algures nos países do mundo onde são oriundos, desfrutam agora nas suas
bibliotecas privadas, de belos livros encadernados em finas peles, na sua acanhada
oficina da rua Marcos de Portugal, numa Lisboa que está a varrer as pessoas que
são suas, na ganância de alojar turistas distraídos.
Está na iminência
de ter de fechar a porta que já raramente se abre, e que dá acesso a uma quase
minúscula gruta onde ela, fez livros para escritores que já morreram.
A sua mais recente
e muito esporádica encomenda foi de encadernar as obras de Fernando Pessoa, que
o Presidente Marcelo levou de presente aos Reis de Espanha.
É a última
encadernadora de Lisboa
Chama-se Rosa da
Costa, a Mestra Rosa
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