Sentávamo-nos os dois e tínhamos longas conversas. Ou melhor, ele desenrolava memórias, como numa fita de celulóide a passar numa máquina de cinema antiga, contando-as pausadamente como relíquias orais que pouco se contam agora. Eu quase não me fazia notado, quase invisível, a ouvir com toda a atenção, para me recordar mais tarde, ficaria eu, algum dia, o fiel depositário desse tesouro e teria de as tratar bem e sabê-las de cor, para serem verosímeis na minha voz, mais não fosse contando-as para mim, ao adormecer, todas as noites, embalado por histórias de tempos e pessoas que deixaram de existir, como eu, um dia. Para que ele respirasse e acrescentasse drama e emoção ao que ia contar a seguir, mesmo que fosse só para acender um cigarro, fazia-lhe perguntas. Ele deixava-se levar, sabendo que com isso eu queria ganhar-lhe tempo, para me concentrar melhor e absorver todos os pormenores e detalhes. Sentávamo-nos os dois na parte de trás da casa, que não precisava de estar tão bem pint