Havendo ou não um túnel, curto ou comprido, onde a luz é escassa, quase trevas, e sem que se veja, se sente apenas que se caminha numa direcção que não se sabe, até que finalmente, depois de passarem todos os filmes e projecções dos anos que foram vividos, uma pequena impressão de luz, tão débil, que mal se pode acreditar, pode ser uma falha da visão, um erro, se avista a uma distância que não se calcula, se perto, se longe.
Havendo o desfilar por
ordem de um caos que se instala sem regra nem ordem, dos acontecimentos,
episódios, histórias boas e más e indiferentes, datas comemorativas, datas de
pesar, datas formais, datas por obrigação, relações e quebras de relações,
laços fortes e que se desfizeram num soprar de brisa fraca, rostos, definidos,
indefinidos, belos, alegres, sofridos, e as outras coisas todas, tantas ou mais
talvez, as paisagens, as linhas de horizonte, o Ceu, o Mar, a Terra, os seres
diversos e imprescindíveis.
Havendo tudo isso e tudo
o que se esqueceu, e que foi tão importante, e que não foi nada importante, as
omissões, propositadas ou não, os silêncios doentios, os silêncios saudáveis,
as asneiras ditas, gritadas, arranhadas nos outros.
Depois de tudo haver e
não haver, não havendo mais nada para projectar, acendem-se as luzes do túnel e
afinal ainda não morremos, ou estamos sempre mortos, ou viveremos mesmo
não querendo, porque não há outra condição
senão a de estar permanentemente vivo, e tudo não passa de uma sessão de cinema
de aldeia, onde o menino, o pequeno menino curioso, assiste ao seu próprio
filme, obedientemente sentado ao lado do projecionista, com a tesoura pendente
numa mão, a cola noutra, pronto para o acidente, o inesperado, a fatalidade, o
erro, esse enorme buraco negro que nos convida constantemente a jantar na sua
casa do precipício, e mal se dê o desastre, estende as mãos, para o maquinista
dos filmes, feliz porque se realizou.
O túnel é visitado mais vezes do que se
espera ou de que fique memória. É bem possível que habitemos nesse túnel,
todos, e a ser assim, somos toupeiras
In O jardim das árvores eternas
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