Alguém já disse, nos altos de muita sabedoria, ou de convívio privilegiado com os deuses, que as igrejas, sejam humildes capelas, sejam catedrais cheias de retorcidos gongóricos, são os eixos do mundo. Explicand: a querer dizer que os locais de culto foram construídos em pontos sensíveis do planeta terra, funcionando como pontos ou de convergência de energias ou de expansão das mesmas. O que explicaria serem lugares onde se experienciam sensações, que nos reconciliam e unem ao universo. Isto é o que alguém já disse, dizendo também que o sagrado, o espiritual, estava nisso, e daí a entrar-se numa polémica sem perspectivas de saída limpa, é um passo minúsculo.
La Pigalle, é uma praça
e um bairro, em Paris. A sua história picante começa em 1881 com a abertura do
cabaret Gato Preto. Em 1885 Maxime Lisbonne (nome curioso) de regresso
na Nova-Caledónia onde tinha sido condenado a perpétua e a seguir amnistiado,
abre a Marmita, onde apresenta espectáculos ousados e acaba de inventar
o striptease no divã japonês.
Com o decorrer do tempo foram
aparecendo novos estabelecimentos de diversão noturna, tornando essa praça e
bairro um dos centros de divertimento de Paris.
E juntando-se um assunto com outro,
que é assim que se fazem as ficções literárias, pega-se no “eixo” e no “Pigalle”,
e vamos dar directamente ao que interessa dizer.
Figueiró dos Vinhos é uma vila
pacata, apesar de os seus habitantes serem grandes foliões e não se negarem a um
animado convívio. Andam sempre a inventar motivos e razões e boas
justificações, para estarem sempre em festa, que isto são dois a três dias mal
contados, e amanhã não se sabe se acordamos de olhos abertos ou com eles
definitivamente fechados.
No verdadeiro centro da Vila, onde o
edifício vaidoso da Câmara, se pinta de uma cor viva para atrair atenções; onde
a Igreja Matriz, marca com veemência o território que reivindica às almas
terrestres; onde o António apresenta o ex-libris doce da Vila, em forma de um
pão de ló e bolinhos conventuais deliciosos e supimpas; vamos dar, numa esquina
encafuada, com o Pigalle, não o centro
lupanar da vila, mas o verdadeiro eixo, deste pequeno mundo. É como se um poder
magnético invisível esteja a chamar todos , sendo puxados por uma força de atracção
que desconhecem, levados ao centro, desta comunidade mínima, onde todos se
conhecem e oferecem refrigérios atrás de refrigérios, até que não haja amanhã,
e lá voltamos nós de novo, aos olhos abertos ou fechados e à transitoriedade
das nossas existências, que mais vale de barriga cheia do que de mãos a abanar,
no arrependimento de não se terem deitado os foguetes todos.
A Márcia, dona e cabeça de cartaz,
artista principal, pessoa imprescindível, é sem a mais pequena dúvida de se
dizer, uma das mulheres mais influentes da Vila. Tem uma simpatia franca e é
uma pessoa consensual, que se saiba não guarda rancores e não há quem a
menospreze.
Atende como se nunca se zangasse, nem
mesmo com a privação de liberdade e de poder ter um tempo só para si, que a
vida não é só trabalhar.
A seu modo e bem, tem um trato meigo,
tranquilizador e por vezes até parece, respeitando-a de comparações de mau
gosto, um balcão de uma loja do cidadão com horário prolongado e atendimento
personificado: uma guia disposta a ajudar e fazer pontes de comunicação com os
fregueses, que não lhe desamparam o negócio, e ainda bem, é porque se sentem
bem cuidados.
Em praticamente todos os dias do ano,
e indo-se para os finais de dia, o convívio e a confraternização sobem de tom,
más é principalmente às sextas-feiras, que se reúne a turba, grandes e
pequenos, e é ver-se um vai e vem de mines, num fluxo que parecem água feita
cerveja desenfreada a correr debaixo de uma ponte, apagando securas nuns,
afagando cansaços de uma semana de trabalho noutros, fazendo faíscas em brindes
aos anos, às memórias colectivas, às amizades, aos que já não estão.
O Pigalle não é na França, o
verdadeiro é cá na terra e não sendo local de poucas vergonhas e ousadias, é o
verdadeiro eixo deste nosso tão pequenamente grande mundo. E a Márcia
como Mestra de Cerimónias, uma “Notável” da Vila. Fosse eu presidente de
qualquer presidência, dava-lhe simbolicamente, em sessão solene e aberta, a
chave da Vila, para pendurar no Pigalle, vaidosa de um reconhecimento mais do
que merecido de utilidade pública.
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