Um Morgado, é o que é. Ou, parece que é. Acabado de entrar, ou de saída, de uma novela bucólica, romântica, um ambiente do campo, florzinhas, e zumbidos, e vida parada e pacata. Um personagem das Pupilas do Senhor Reitor, ou da Morgadinha dos Canaviais.
Quase um lorde, visto ao longe.
Todo o ano, indiferente a tanta
coisa, que até ao tempo, às suas condições, de bom ou mau, ou ameno, com o
mesmo atavio. Bota de carneira, ou imitando; calça escura que pode ter sido
fazenda com uma cor específica, que já não tem; e casaco. De veludo. Já foi
creme há muitos, muitos anos. No cocuruto, que bem enterrado, nela, na cabeça, uma
qualquer coisa objecto. Pode que tenha sido um boné, uma boina, um simples
gorro. Totalmente indiferenciado pelo uso contínuo. Dormirá com ele? É
possível. Já não é um adereço, é um apêndice.
E uma esplêndida – se não fosse
despicienda no tamanho – cigarrilha. Não se vê fumo nem cheiro, apagada estará.
Uma reentrância no ar vazio, colada à boca, que no seu perfil caracteriza ainda
melhor o seu ar afidalgado. Uma cigarrilha que é vista como sendo a mesma, de
um dia, para o outro todos os dias.
Insiste-se, que não é, mas parece ser,
que é afidalgado, o que não é a mesma coisa que o sendo. Os olhos cometem erros
de juízo e avaliação. Não fosse a cabeça arrefecer esses palpites, seria muito
mais difícil a convivência educada com os outros.
Ele, seja o que for, tem o seu
carácter, tão vincado, como as estrias puídas da sua japona de veludo cotelê. A
maior parte do dia, estacionado o corpo e essa pose blasé, à fachada frontispícia
do “Solar”. No que sobra do antes e do depois, do nascer e do escapulir-se dos
raios derradeiros de luz, estaciona-se por onde calha, um pouco por qualquer
esquina do centro histórico da Vila, assim chamado, não porque esteja
preservado e seja cartão de recepção e boas-vindas, mas porque só pode mesmo
ser histórico o desgaste e pouco cuidado dessas ruas e casas que já foram
bonitas, antes de fenecerem em agonia aos olhos de quem vive e de quem visita.
Se fala, o Morgado - ou a
possibilidade de que poderia ter sido, não tivesse nascido outro, num contexto
diferente -, só se lhe conhecem, que não é conhecer, mas estranhar, sonorizações
roucas que podem ser murmúrios poéticos em crise de autoestima, ou meros
gargarejos que não levam a lado nenhum, nem sequer à possibilidade de um bocejo
de comunicação com alguém.
E fica-se por aqui, sem mais avanços,
ele de simpatia tem pouca (pode ser tímido); de Fidalgo, mesmo que bastardo,
nada tem; e resta a curiosidade banal de ser uma figura da Vila, nem mais nem
menos e tal e qual como o centro histórico – gastos -, e de cigarrilha ao canto
da boca, apagada, porque uma está cheia de patina descuidada, e outra, ressequida
que já nem aceita um fósforo, que lhe poderia dar a derradeira oportunidade de
ter um fim apoteótico, ardendo e consumindo-se.
A bem da verdade, em dias especiais,
por festivos, de cristandade transbordante ou efeméride
politico—administrativa, já lhe foi vista uma casaca diferente, aconchegada no
entanto e no seu todo e ao comprido, pelo mesmo par de botas, e esse acessório que
se desconhece como nomear sem prejuízo de falha lexical, que lhe aconchega o
pináculo da sua pessoa, deixando no ar a dúvida, por lhe cobrir essas partes,
de o homem tem cabelo ou ser careca em todo o perímetro e área de
preenchimento.
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