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O CANTOR MORREU

 


Morreu-se, hoje, sem nenhuma justificação plausível e aceite que pudesse justificar essa perda, um homem difícil de qualificar.

Em significações léxicas imediatas: “afortunado”, “feliz”.

Fausto Bordalo Dias.

Na corrente rebelde e por vezes crispada de uma chamada música de intervenção, dispôs-se a seu tempo e jeito, num educado recato, colocando-se na segunda fila dos protagonistas das fotografias todas.

Com uma música e uma lírica, deslocadas, aparentemente dissonantes, da aspereza dos acordes e da palavra de intervenção e dura, nas modas dos tempos, a sua, a contrariar pela lisura poética, doce, de uma sensualidade que desarranja os sentidos.

Um fenómeno de magnetismo.

A convidar o ouvinte a percorrer numa só sessão e num concentrado de picos e limites de emoções sensitivas, todas as direcções da sua Rosa dos Ventos, uma cosmovisão muito à frente dos tempos, nós, ainda tímidos do usufruto de liberdades novas e desanuviamentos.

Para mim: “O Despertar dos Alquimistas”. “A memória dos dias”. Uma ode causadora de impacto emocional de efeitos colaterais de longo prazo.

O mundo não vai ficar melhor na ausência da sua voz, que eu dancei um dia, despedindo-me de uma Lisboa abafada e indecisa, num bar de nome Tóquio, um porto de abrigo e desabrigo de putas, marinheiros e de jovens curiosos praticantes de uma democracia, a aprender a equilibrar-se e dar passos frouxos, em sobressaltos e riscos, a desfraldar a liberdade.

Levei esse Fausto para o país Basco, na manhã seguinte, ao embarcar em Santa Apolónia e ouvindo-o nessa terra distante que também foi minha, longe do Cais do Sodré e das meninas e dos homens de naifa na mão, compreendi a sua universalidade.

Que me desanuvia e acompanha até hoje.

O melhor do melhor da assinatura da nossa identidade.

Gosto muito e continuarei a ouvir o Fausto Bordalo Dias

 

Correste a dizer que o dia vinha às portas da cidade

E cobriste de mil flores as varandas da cidade

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