Também eu não conheci o sonho da minha avó,
aquele que na urdidura de todos os fios de sonhos, faz o grande tapete-sonho
para forrar a memória que deixamos para os outros. Não me deu tempo para saber.
Queria ser eterna na sua existência terrena, não apostou em mais nada senão
aproveitar os instantâneos, pôs o tempo para trás das costas e não queria saber
dele para nada, e de repente, deu-lhe a pressa de partir e deixou-me cheio de
perguntas que não lhe pude fazer.
Que sonhos teve de seus Maria, o que sonhou
para mim, o neto substituto do filho que perdeu, num patético acidente de
aviação, num lugar longínquo, num nevoeiro cerrado quando ia cantar para os
militares que defendiam uma incongruência.
Terei sido o seu grande sonho, depois de se
ter esfumado o anterior, e para seguir em frente com a sua vida, teve de me
sonhar a mim, para encher o espaço vazio, órfã de um filho, o menino de ouro de
sua mãe. E quando as mães amam os filhos, a orfandade fica numa dor sem
possibilidade de analgesia, para o que resta a uma mãe, de calendário de sempre
para completar.
Na verdade, nas longas conversas que
tivemos- aproveitámo-nos bem – não fiquei com a convicção que a minha avó tenha
alimentado os sonhos, nunca me referiu nenhum, era uma pessoa simples e não
tinha fé nem num deus nem no futuro, vivia e gozava com a vida sabendo que é
não é para se levar a sério, uma brincadeira que só devia pedir risos, porque
de tristezas, que o diabo as leve.
No entanto, não acredito que ela tivesse
vivido tantos anos ainda, sem voltar a rolar a roda dos sonhos.
Sendo eu um especialista do seu olhar, escaparam-me
seguramente pequenos esgares, alegres e tristes. E como considero que é nas
pequenas coisas que estão as grandes disfarçadas, estou convencido que me
escapou algo de fundamental no seu olhar. Talvez tenha sido o seu sonho, o
derradeiro, aquele que ela, traquinas como uma miúda adolescente, não me quis
revelar.
Não perde pela demora, um dia destes,
quando, para toda a eternidade, tiver de conviver comigo – e não é fácil –, vai
ter de me explicar essa história como deve bem ser.
No que me compete e cumpro, o sonho que eu ando
a tecer com os fios dos outros, leva motivos das tribos nómadas do deserto para
que os meus filhos apreciem e decore as suas casas de cores fortes.
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