Nos manuais, talvez já mais do que
ultrapassados, do marketing e das vendas, quando se queria identificar um
potencial cliente para um produto, havia algumas categorias onde se podia
colocar esse possível cliente. Uma delas era a dos “Aderentes rápidos”, aqueles
que com pouca conversa, aderem imediatamente ao que lhes é proposto (esse tipo
de cliente, não se julgue que seja em reduzido número, pelo contrário, de todas
as classificações, é a que mais “aderentes” tem).
O meu pai, em quase tudo, era um aderente
rápido, tão rápido que muitas vezes ainda não o tinham doutrinado levando até
ao fim o relambório, e já ele, estava a levar para casa o que lhe quisessem impingir.
No seu manual imaginário, de como um pai
deve educar o filho, no capítulo dos suplementos alimentares de alto rendimento
e sucesso inquestionado, tinha à frente de todos os outros e com distância, o
Óleo de Fígado de Bacalhau. Era bom para tudo, um superalimento, não precisava
de argumentos científicos, era um dos produtos mais consumidos, por obrigação,
de toda a criançada.
Começámos cedo, «quanto mais cedo, mais
efeito faz», dizia ele, convencido de ser um pai moderno e pragmático nas
decisões. E então, não me lembro se de manhã, se à noite, tínhamos que deglutir
uma colher com uma quantidade gastronómica de um óleo, peganhento, denso como
alcatrão, com um sabor que nem nos meus melhores dias conseguirei alguma vez
descrever em palavras convincentes. E o cheiro? De baleia com halitose. Neste
caso, era bacalhau. Imaginando de vermos nos documentários televisivos o
tamanho descomunal da boca de uma baleia, seja ela qual seja, tente-se agora
imaginar o que será o fedor de uma boca dessas com halitose, de bacalhau…!
Tenho a agonizante memória dessas “tomas
terapêuticas”, num nível de excruciante, só comparável em tortura, com as idas
aos domingos “à bola”, onde o grande espectáculo era o confronto físico
ininterrupto dos adeptos das equipas riais, que começava com uma saraivada de
vernáculos de um lado para o outro e quase sempre, descambava numa épica
batalha campal, em que já nem se prestava atenção ao jogo, ninguém queria saber
do jogo para nada, até que a polícia, naqueles tempos anafada e ainda
farfalhuda de bigodes, intervinha a custo e com fastio, e tinha muito pouca
influencia no resultado final. Não do jogo, mas a quem atribuir a vitória
nesses festivais de pancadaria em massas.
Como eu era um cachopo com medos e receios
e fantasmas oníricos, a ida à bola com o meu pai, era um suplício.
Felizmente, um dirigente desportivo da
época, que também tinha uma empresa de produtos “naturais”, comercializou as
cápsulas de gel com óleo fígado de bacalhau – talvez branqueasse dinheiro
obscuro com as cápsulas do óleo milagroso – e isso foi um salto enorme para a
modernidade. Desapareceu o sabor, o cheiro, a textura, e a partir daí, foi
vermos crescer, sem doenças, rijos, preparados para todas as intempéries da
vida. Grande bacalhau, que se nos dá todo a nós. Que seria deste povo sem a sua
existência e do seu óleo milagreiro. Nem compreendo porque não está no escudo
de armas de Portugal.
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