O amolador ao nascer do dia sai do local onde vive que
não se sabe onde é porque ninguém sabe onde vivem os amoladores, e na sua
bicicleta amoladora percorre com uma paciência de pastor de um rebanho
imaginário, as ruas e as vielas das localidades, grandes ou pequenas.
Todos os amoladores foram pastores nas suas terras de
origem o que não é verdade, mas fica bem para esta história. A única coisa que
os compara é a solidão dos dias que passam e o estado de permanente movimento:
uns por vales e montes acompanhando as alimárias que não falam e não se
cruzando com ninguém de senso, outros anunciando a sua presença com uma melodia
simples tocada numa flauta de amolador, sempre a mesma, coisa-música
encantatória, e recebendo de mãos silenciosas na porta de prédios anónimos o
seu trabalho de afiar.
Os amoladores são nómadas e os pastores igualmente.
Nómadas com código postal.
Não só se comparam na solidão que ambos vivem, como
noutras coisas mais banais: como praticarem profissões inúteis. Os rebanhos já
não precisam de ervas frescas para vingarem e serem produtivos; as facas e as
tesouras podem perfeitamente ser amoladas em casa por processos mecânicos
baratos, sem o inconveniente de ter que se descer até à porta de casa e
entregar nas mãos de um desconhecido as facas e tesouras de uma casa.
Nos aglomerados urbanos, esses pastores ou talvez não
tenham sido, acometidos por uma nostalgia doce que se pôs a residir nas suas
almas, tornaram-se amoladores.
Se quisermos ser ainda mais realistas, nem os rebanhos
nem as facas são importantes na vida moderna. Poderíamos mesmo dizer que estes
e estas têm à partida uma relação de causa e efeito que geralmente é fatal para
a alimária quando se encontra de caras com uma faca afiada.
Em todo o caso, continua a haver quem goste de pastores,
cabras, ovelhas e cutelaria. E é nisso, nessa igualdade de seres que passam
pela vida sozinhos, que relacionamos os amoladores com os pastores. Não é pelo
rebanho inexistente nos amoladores, é nessa sua sina de obrigados a nómadas e
solitários. Sempre de um lado para o outro, sem destinos marcados, sem fim à
vista. A vida é uma caminhada, mas curta ou mais prolongada. Estar parado é
morrer, dizem os mais velhos, os que ainda dizem alguma coisa, por lhes apetecer
dizer.
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