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HORA DO ALMOÇO




Anunciou-se, espampanante. Encheu a casa de dar nas vistas, com um vestido caído a acompanhar as linhas do corpo, mas ao mesmo tempo largo, desimpedindo os movimentos, deixando-os à solta, uma linguagem corporal exuberante a sua. Rosa forte, a cor do vestido.
Sentou-se na mesa que lhe indicaram. Estava irremediavelmente alterada com a sua entrada, a tranquilidade da sala. Antes pacata, sem história, clientes habituais a comerem pratos habituais baratos e por isso menos bons.

Deixa-se para lá a qualidade dos pratos, agora, há uma tensão de olhares, de posturas corporais de atenção, os clientes na sua maioria, e os empregados todos, aguardam. O que aguardam eles? Que ela continue a representar, uma artificialidade, ou um essencial de si: encenando o seu verdadeiro.

Pediu dois croquetes que são desenxabidos e colam-se aos dentes. Comeu-os com uma delicadeza no detalhe, de os agarrar educadamente, levar à boca com ponderação, trincar pedaço a pedaço como se fossem beijos carinhosos e fraternais, mastigando-os contidamente, dando por terminada esta acção.

Aparentemente satisfeita, tacteou a mesa, as mãos tiveram um encontro com o guardanapo, de papel, trouxe-o junto aos lábios e depositou nele num jeito suave e peremptório de higienização destes mesmos que não estavam nada sujos do croquete.

Posto isto, sorriu, mais ainda, e os clientes e funcionários considerando cada um que esse cumprimento era pessoal, desfizeram-se.

Se a sala já estava congelada, parou a contagem do tempo. Ela, parece que continua a sorrir, de uma forma bastante mais subtil é certo: é uma espécie de espécie de contentamento que tem posta. Na acalmia temporária que se seguiu, os clientes podem agora voltar às suas coisas, entre elas continuar a comer.

É um belo homem, imponente ainda. Nota-se que já não é novo, mas não se avança uma idade. O rosto transmite uma sereníssima compostura de quem está totalmente saldado com a vida, estando assim perfeitamente à vontade para a tratar por tu, e ela, a parecer que o respeita, ter reverências com ele.

Indicam-lhe lugar, na mesa, ao lado dela. Convenientemente acondicionado em conforto o corpo que acaba de sentar, as mãos de ambos procuram-se, tendo cuidados e percebendo-se que estão habituadas e ágeis, para evitarem os objectos que constituem a cenografia da mesa: copos, talheres, pratos.

Feitos e bem sucedidos os périplos destas, encontram-se, dão-se, entrelaçam-se, reencontram juntas o trajecto que leva aos lábios dela, e depois dele, e beijam-se sem contar minutos numa demonstração pública de superlativo prazer.

Os dois, têm óculos escuros nos rostos, daí as mãos serem os seus olhos tácteis. Começam tranquilamente a sua refeição, nem boa nem má, barata, e aos restantes clientes, pendentes, é dado motivo para se desligarem deles, até porque têm o tempo mais do que contado para saciarem as fomes.


Cai instantaneamente uma enxurrada de conversas e outros sons em decibéis elevados no espaço público, hora de almoço numa rua pulsante da cidade. O café para além de naturalmente amargo, queimou. Já não se pode pôr açucar.



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