É como pescar. Lançam-se as sortes,
aprende-se paciência, entende-se a essência do acto de esperar, pratica-se a
atenção sem compromisso, atinge-se o conhecimento: da cana de pesca, do
carreto, da linha, do anzol, do ambiente água, do peixe que acabará por não
resistir à tentação da gula pela voluptuosidade do isco oferecido, deixando-se
pescar.
No entanto, o acontecimento que marca o sucesso
apoteótico do pescador, não é só esse desenlace final. Representa a soma de
tudo isso, dos dias corridos de insucesso, da espera, da atenção, até que muda
a sorte, como o vento, e volta-se para casa anafado de vaidade e orgulho,
considerando-se o melhor pescador do universo.
É verdade, agora que se diz, é como o vento.
Caçar a vela num barco, apanhar a brisa no ângulo certo, que infle a primeira e
se inicie o movimento de propulsão, aproveitando o sopro desta, fazendo
cavalgar o barco as ondas, ou melhor ainda, voar rasando a espuma das mesmas.
Tanta tentativa, tanta atenção, chegar à compreensão intrínseca de como são os
ventos, e depois de interiorizados e com os segredos revelados, navegar que nem
um louco, dominando, pensa ele, a natureza toda.
É como a pesca e o vento. O amor. Não é. É
uma outra coisa que não se aprende, nunca se explica todo, não se conhecem as
mecânicas nem as biologias, apesar de existirem neurotransmissores, mas eles não podem reivindicar
essa história só para si. É algo mais, há algo mais, misterioso, secretíssimo,
insondável, que cria, alimenta o amor.
É um dom que acontece, uma sorte grande, sim
pode dizer-se milagre. Se não se agarra forte com as mãos, o abraço, a boca na
boca, escapa-se. Pode não haver outro.O tempo fica desagradável, frio, crepuscular
para sempre.
Não é como a pesca nem o vento, não é um
momento, não é um sopro fraco ou forte de uma matéria não matéria impalpável.
É uma energia, que chispa, uma concentração
fugaz de todos os intangíveis e tangíveis, é isso o amor.
Ficamos, estamos inteiramente sequestrados
por ele, mas uma acção pode ser feita e boa: alimentá-lo, mimá-lo, com flores,
com doces, com palavras, desenhá-lo como gatafunhadores
urbanos, nos sonhos mais pessoais.
Se o
conseguimos reter e frutificar, qual pesca, qual vento, qual coisa nenhuma. Nada
se igual a um amor, seja ele por quem seja, o amor.
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