Cabidela de galinha do campo, língua de vitela estufada,
sardinhas com salada de pimentos verdes. O problema está no escolher, apetece
tudo. Vou para a língua, se estiver bem feita, é uma delícia. Hoje, um branco
fresquinho.
- Estava sentado, ali, naquela mesa do canto.
- Frequento esta casa há muitos anos -o Senhor António, e o
filho que se fez um homem e agora toma conta do negócio. Conhecem-me bem.
- Vi-o e fiquei a pensar que nos conhecíamos. A sua cara não me
é estranha.
- A cabidela é uma especialidade, come-se bem aqui, e não é
caro. Não me saía da cabeça que o conhecia.
- Ah! Sim!
- Daqui. Do bairr0
- Pois, como está o senhor?
- Pois, como está o senhor?
- Estávamos melhor há trinta anos, mas enfim. Cá estamos.
- E isso é o que interessa. Continuarmos vivos.
- Às vezes já nem sei.
- Nem eu. É só medicamentos, e idas pelas receitas e análises
disto e daquilo. O tempo que se perde! As artroses.
- José Maria, muito prazer.
- Joaquim Zimbro.
- Desculpe, “Zimbro”?
- Sim, um arbusto.
- Arbusto?
- Uma quase árvore, não chega a tanto. Ou uma árvore pequena,
pronto.
- Ah!?
-No norte há muito, e também no interior. Dizem que é uma conífera
mas isso não sei se foi um nome que lhe puseram depois.
- Depois de quê, desculpe?
- Do primeiro que a viu, a árvore.
- Ah, pois!
- Os do campo conhecem essas coisas todas, dão-lhes nomes. Nós
não precisamos desses saberes. Estamos na cidade, há outras coisas mais
importantes que dar nomes a tudo o que se vê à frente dos olhos.
- Ouvi dizer que os judeus têm nos seus apelidos, nomes de coisas
vivas, da natureza, de árvores e isso, desse género.
- É capaz, não me lembro de a minha mãe me ter dito que eu era judeu.
- Li, ou ouvi nalgum sítio. Agora já não é fácil lembrar-me.
- Comigo passa-se o mesmo. Leva-me tempo até conseguir lembrar-me.
É uma carga de trabalhos.
- Parece que está logo ali à mão, na ponta da língua, mas não
sai. E quanto mais embicamos, mais emperramos.
- Também sou assim, deve ser da idade, já nem me lembro como
comecei esta conversa.
- Pois, deve ser da idade.
- Já sei. Foi do zimbro. O senhor pôs-se a falar do zimbro e eu
disse-lhe que me chamava Joaquim Zimbro.
- Como lhe fui falar do zimbro, se eu estava a comer, sentado,
concentrado no prato e o senhor passou e disse que me conhecia? E se apresentou
como Joaquim Zimbro?
- Pois foi, se calhar até andamos juntos na escola, e eu agora
nem me lembro. Sou nascido e crescido e vivido aqui.
- Também eu sou daqui. Talvez tenhamos andado juntos na escola. Gostei
de o ver. Senhor…?
- Zimbro.
- É isso.
- Até uma próxima, passe bem.
- Pois, pode ser que nos lembremos um do outro.
- Pode ser.
- Pode ser.
Cá fora, está um veemente dia de sol, a prometer perspectivas de futuro, verão.
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