Eram duas perinhas em maturação, a seguirem canonicamente o
ciclo de crescimento para a perfeição. Não, dois montes. Exemplares. Não era
inevitável olhar, era cola, não despegavam daquele regozinho, no vale
acentuado, que quasi escondia mostrava esses dois montezinhos tão sensuais, uma
escalada suave ao paraíso e ainda não se sabia o peso dessa palavra – sensual –
na afinação das mecânicas do mundo. Mais tarde.
“Minha só minha”, todos repetiam, reclamando para si o que
nessa idade ou outra, jamais se pode vir a reclamar como seu: um usufruto que
pratica o funambulismo no fio da navalha, às vezes com muito custo, a preço de incontáveis
concessões. Mas apetecia dizer, saía, sem se saber porquê, uma coisa atávica,
um despertar das células, muitas em uníssono, uma pulsão forte fora da
possibilidade de qualquer controlo da razão, nem mesmo para os que iam cursar
gestão.
Dizia-se cursar naquela altura.
Mais do que um brinquedo - todos os brinquedos - dão-se todos
sem remorso, para estar ali, ser o escolhido, no momento crucial, e tocar.
Depois de acontecer, e a ser possível, depois desse primeiro toque ambicioso
mas trementemente inseguro, acontece
uma revolução na cabeça: com a descoberta do prazer da sexualidade, algo que
não se descreve, nem uma aproximação disso, despirolitam, alguns todo o seu resto de vida, que nunca voltará
aos eixos da temperança, de construir uma carreira, família e deixar património
e essas coisas e outras tantas da gente séria.
Esse míssil de adrenalina a circular no sistema linfático à
velocidade da luz, era uma coisa diferente, nova, com a qual não se sabia lidar
- uma coisa intensa de dois (só assim) - e nem mesmo mais tarde, décadas.
Nos recreios da escola ela (Teresa, que nome mais delicioso) desinquietava
e nem sequer era a mais bonita, mas era a mais vistosa: uma loura de olhos
verde-esmeralda cristalino, desinteressadamente em todos os poros da sua
pele, anémica, até nos sentimentos e
emoções. Muita frieza para um futuro organizado, mas pueril. Era essa a mais
bonita, mas morreu na praia como se costuma dizer, ou seja enfadonha, gastou
todo o futuro na cansativa tarefa de ser fútil. Perdeu a graça.
Teresa sobressaia porque era ousada, solta, sem os filtros nem
os códigos submissamente aceites de dois géneros distintos em tudo, habituados a viverem juntos mas separados em
tudo o resto à excepção do hábito de terem que se ver juntos e cumprirem os
ditames de Deus, da Pátria e da Autoridade.
Espantava pela sua liberdade, indomável. Parecia retornada,
mas não era.
Vivia no prédio ao lado, o da porteira polícia com buço
pronunciado e pelos nas pernas que se viam, e grandes. Nessa condição, de privilégio, fora das horas
de escola, no livre trânsito do tempo livre vinha juntar-se aos miúdos do
prédio (hora feliz), e vinha despojada e leve do seu soutienzinho, encantador
por certo, mas que impediria – a trazê-lo posto - a recordação de reconstruir
esta memória cinquenta anos depois. Bendita libertação a sua, tão cedo e bem,
numa altura turva, indecisa, em que os blocos de gelo começavam a derreter
(imagem linda).
Andava ela nisto e era um impasse. Não para ela que andava
normalmente, mas para a rapaziada, em conluios do que fazer a seguir, que
passos dar, ou seja tocar, de preferência aprofundadamente, e se houvesse
rejeição o que fazer, logo se veria.
O ideal mesmo era cada um por si, pelo que os conluios era
mais para saber se havia alguém avançado em método e coragem, que estivesse
mais bem posicionado para arrebatar a sua atenção, para esses inícios de
brincadeira que à falta de melhor se designa como picardias de desequilíbrio
hormonal. Ela estava mais do que matura, em todos os sentidos, e sabia muito
bem ao que ia, a fazer de propósito, a revirar a cabeça dos rapazes, que até na
bola já não marcavam golos.
Dois estavam bem colocados no seu possível interesse, um
terceiro seria segunda escolha, nunca fiando, este é um assunto em que não há
amigos, o livro de histórias do mundo está pejado de adultérios dos amigos aos
próprios cônjuges de cada um. Como se valesse a pena, mas há quem o pratique.
A mãe era uma vedeta da moda, comentavam lá em casa. Excêntrica,
tinha cabelos com cores fora de comum, pintava a cara exageradamente, tinha
roupas vistosas e com muitos folhos, fumava cigarros na ponta de uma longa boquilha
preta. Fazia-o com pose. Fumar, uma inspiração-expiração aparentemente simples
era toda uma peça de teatro. Dava gosto assistir.
O irmão mais velho,
interno algures durante a semana, era o melhor génio da rua inteira. Cientista
mesmo. Todos o consideravam por isso, mas ninguém sabia de que ciência era ele
cientista. Uma incógnita, o que aumentava a aura que o rodeava. Alimentava
conversas, suposições, apostas. Aparecia raras vezes ao parapeito da janela,
nunca foi visto a brincar.
Mais tarde confirmou-se que entrou em engenharia
astrofísica, curso novo num país que ainda estava nas fraldas da idade mediana.
Deve ter sido nessa universidade que a conheceu, apaixonou-se
pela primeira e única vez, ela nem olhou para ele, deu-lhe alguma esperança (ou
foi a sua imaginação fértil a trabalhar mal) , engravidou de um sedutor
encartado de tez bronzeada que passava a vida no café do bairro. Eram de África
os dois, ou era do calor que eles
ganhavam liberdade cedo, ou era do que fosse, sabiam a cartilha toda. Nós no
pastel de bacalhau e eles já na chamuça. Muito à frente.
Ele enlouqueceu dela, o nosso físico celestial, e derramou o futuro
nisso. A rua, o bairro, perdeu o seu
único cientista ainda não famoso mas que podia muito bem ter sido. Criou-se um vazio:
perdida a esperança, não se via mais nenhum com perfil para vir a ser famoso, o
que na realidade não aconteceu. Esbateram-se todos.
A irmã era linda e de louca, só nos punha a nós. De quantos
sonhos interrompidos, convulsivos, intensamente físicos, foi a responsável.
Naquele curto tempo de transição entre idades, pôs o pátio num alvoroço.
O António era um dos dois que estava em vantagem: com uma boa
prática de afagar seios (as sopeiras eram sempre bem escolhidas, ou podia ser
só coincidência serem todas fartas e hirtas) e tinha igualmente um livro
proibido - banda desenhada - que contava pormenorizadamente a história de um
herói que aparecia de prancha em prancha em posições engraçadas e sempre na
companhia de uma recheada rechonchuda mulher.
O António encontrou o livro debaixo da cama, no quarto dos
pais. Como é que terá ido estacionar aí? Mistério, mas ficou com ele. Até ver.
Sendo o sorteado, na lotaria da Teresa o escolher a ele, já
tinha planeado tudo na cabeça, plano “B” e tudo. Convidá-la a verem juntos o
livro, sentados no chão do corredor de um dos andares, ninguém os via. Tinha
vantagem sobre os outros: foram os primeiros a darem um beijo na boca, um ao
outro, pelo menos ele, e já não era a primeira vez que se encostavam não
propriamente até esborracharem em insuficiência anaeróbica, mas com tensão
suficiente para sentirem alterações fisionómicas súbitas de orgãos antes
adormecidos. Nessas situações ela ficava ofegante e ruborescida. Ele nem se
sabe como ficava. Pateta.
Deu-se a oportunidade num dia de chuva mas de calor intenso,
suado. Os calores relaxam a e desabotoam os botões das camisas. Ela veio
brincar com a irmã do António e não há dúvida que vinha cheia de calor. Os seus
Olimpo – tinha dois – simétricos,
perfeitos, cheios, pareciam que queriam rebentar. Era porque tinha subido as
escadas a correr, três andares, estava ofegante e despenteada, a rebentar.
O António, nervosíssimo, castamente excitado, a ver se tinha
uma oportunidade para lhe chegar à fala. Ela inclinou-se propositadamente para
o beijar na cara fazendo antever o que seria uma escalada gloriosa aqueles montes
divinos, para pagar uma qualquer promessa, uma purificação.
A ver no que vai dar.
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