Despertou cedo, foi passear.
Vestiu roupa simples e cómoda, calçou umas sapatilhas afeiçoadas
aos pés, fechou a porta delicadamente para não incomodar os objectos que ainda
dormiam.
Alisou-se uma passadeira vermelha. Pleno de si, O pé direito fez
o primeiro gesto, desafiou o parceiro do lado.
Estava um tempo agradável, nem frio nem calor, ideal para
grandes caminhadas. Ciciava uma aragem apenas detectável, os primeiros passos,
comedidos e lentos, estimulados pela perspectiva de um excelente passeio, cedo
se ficaram afoitos.
Assim foi andando. No fim da passadeira, apresentaram-se novas
possibilidades, primeiras escolhas, inúmeras ramificações oferecidas, como
árvore desenhada no chão, e ele confiante, aceitou.
Seguiu sem definição de rumos, deambulou inchado de inocência.
A companhia acolhedora do sol lampejante e os sons espontâneos
da natureza, aligeiraram o seu pensamento.
Leve, deu passos mais longos, ganhou
distâncias, afastou-se cada vez mais de casa.
A distração e a curiosidade, aumentaram consideravelmente o
afastamento. Parou para beber água e viu que não reconhecia o lugar. Não se
preocupou, era cedo ainda, sentiu-se forte, tinha todo o tempo para regressar.
Após o breve refrigério, pôs-se de novo a caminho, agora mais
atento às opções. Escolheu um sendeiro simpático, pleno de sombras, cheiros
doces, boa decisão. Embrenhou-se, fez grandes avanços.
Um percurso apresenta outro, este propõe um amigo, aparece a
dúvida, alguma indecisão, foi ao sabor, por aí, não voltou uma única vez a
trás.
Andou, andou, descansou quando teve que ser, chegou a encostar
por breves momentos a cabeça no acolhimento de uma árvore amiga, encerrou
momentaneamente os olhos e sonhou, absorveu o mais que pôde o ar puro dos
bosques.
Não foi parco, aproveitou ao máximo a aventura.
Pequenas e grandes veredas sinuosas também apresentaram desafios
inesperados: escolhos, pedras soltas, ramos caídos, depressões do terreno. Fez
apelo ao seu corpo ginasticado para os ultrapassar. Foi bem sucedido.
Na maioria dos itinerários como que levitou, levado ao colo,
deslizando por mantos de caruma fresca e fofa.
Nas conjunturas em que se sentiu menos encontrado sorriu e não
hesitou, a algum lado iria dar, e mesmo que fosse a nenhum , sempre o ficaria a
conhecer.
Saciou-se de novos compinchas. Encantou-se, desencantou-se.
Voltou com uma mão bem cheia de cartões de visita no bolso.
Após tanta deambulação, já se acendiam as luzes no céu, quando
deu conta que estava à porta de casa.
Nunca fez cálculos rigorosos, não traçou rotas, não antecipou
roteiros, e não utilizou a bússola uma única vez.
Mesmo assim chegou.
Abriu ruidosamente a porta para se anunciar, descalçou as
sapatilhas cúmplices da passeata e sentou-se confortavelmente no velho sofá
verde de orelhas, companheiro de incontáveis cogitações.
Chegou muito cansado, mas o deleite de espairecer, as memórias
de um dia bem passado, desfilando agora na sua cabeça, compensaram as bolhas
nos pés.
Amanhã insiste, cartógrafo do desconhecido.
Junho 2014
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