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AS BATAS

  O avental é uma peça de roupa que consiste num resguardo de tecido ou de pele, com ou sem peitilho, que se amarra à cintura e que serve para proteger a roupa enquanto se desempenham determinadas tarefas, domésticas ou profissionais. O bibe é uma espécie de avental com mangas para resguardar a roupa das crianças. Desconheço o nome da peça de roupa que não é um bibe mas que é um avental como se fosse um bibe, para adultos, que muitas mulheres conterrâneas nossas, vestem a diário como peça de roupa fundamental e exclusiva. Poderá ser bata, o que resolve a dúvida. A minha avó Maria, era uma mulher moderna. O que dá para muitos entendimentos. Era uma mulher desembaraçada, solta, dada a empatia búdica com todas as ideias, modas e estilos. Tão desprendida como se vestia e desarranjava, que podia dar a ideia de alguma afectação, uma declaração de princípios. Apresentação com o propósito de chocar, ou somente vincar, a sua posição no mundo. Que era de absoluta neutralidade e compree

BEIJOS REPENICADOS E BONS

  BEIJOS REPENICADOS E BONS Os beijos têm muitas formas de se beijarem, num espectro que vai do formal, ao familiar, ao amante, ao erótico, e nas últimas das suas consequências e propósitos, nem sequer têm um nome porque possam ser chamados. A minha tia Custódia dava-os repenicados e sonoros e era a sua especialidade. Nunca mais ninguém me deu beijos assim, nem mesmo a minha prima, sua filha, que herdou o talento da mãe para dar beijos repenicados. Não posso dizer que tenha sido sempre um apreciador desses beijos, e lembro-me longinquamente  quando - por ser pequeno - estava preso aos seus braços e ela desatava nesse frenesim de beijadela, sentia-me sufocar e não compreendia as razões do seu desvario. Essa manifestação quase exagerada, mexia comigo, que sempre fui um delicodoce com muitas tendências para o amuo. Ela deliciava-se e fazia jeitos de grande felicidade e com o tempo – esse grande escultor - fui compreendendo que esse seu exercício sonoro e de sucção compassada, er

FALAR SOBRE A MARIA.

  FALAR SOBRE A MARIA. As vidas não são exemplos de vida, mas algumas podiam ser. Apesar das valorizações pessoais e subjectivas do bem e do mal, há pessoas, talvez sem se darem conta disso, até porque não se estimam particularmente, ou se acham minúsculos (que todos somos) e absolutamente anónimos, deixam na sua passagem por este plano de existência, um rasto de luz e esperança. E nem sempre, ou quase nunca, são os “grandes” deste mundo, que deixam uma pegada com as mãos lavadas e nítidas. Há vidas mais sofridas outras menos, há de tudo, de muita a pouca felicidade, sucesso, preenchimento e o que se queira. O mundo entre outras coisas, não devia estar dividido com baias, devia sem amplo e desafogado de muros e redes e todos termos o direito de pertencer a todo o lado, independentemente da língua que falamos e dos atavios que temos em cima de nós, incluindo as tonalidades da nossa pele, mas tudo isso são romantismos e sonhos ingénuos. O “pedaço” onde residimos, que amanhã pod

ROLLS-ROYCE

  Quem anda num Rolls-Royce, nunca mais é a mesma pessoa. Quem anda num Rolls-Royce em pequeno, nunca mais vai ser a pessoa que sonhou ser a não ser que ainda assim a queira ser, apesar do abalo sísmico de ter andado num Rolls-Royce. O bairro do Restelo em Lisboa, nos anos sessenta do século passado, antes da contaminação das embaixadas e das residências de indivíduos de duvidosa proveniência, cheios de dinheiro malcheiroso e desconfiável, era um bairro rico, mas pacato. Familiar, uma certa burguesia abastada lisboeta, que não era efusiva. Eram tempos em que se não dava nas vistas e quem tinha Rolls-Royce não andava por aí, a anunciar ao mundo, que o tinha. O ambiente do bairro acompanhava o ambiente tépido e dormente de uma capital muito pouco cosmopolita e de um império provinciano e humilde. Nada de particularmente interessante acontecia na cidade, a não ser as novelas das traições, dos adultérios, das misérias familiares humanas, sempre as mesmas, sempre repetidas, sempre m

AMOR INCONDICIONAL É UMA DOR DILACERANTE E TRISTE

    Nessa circunstância ausente de compreensão, sem qualificação apropriada, nessa desumanidade que é ainda mais ausente – se pode ser – da chama de simpatia do coração humano, algo que brota em jorros incontroláveis, umas trevas, algo com uma dimensão que só pode ser de outro mundo, diabólico, que não é possível entender, destaca-se um instantâneo de alguns escassos segundos, pouco mais do que uma imagem, com pouco movimento. Uma imagem, que passa diante dos nossos olhos, focados num ecrã, olhos frios, secos, que não lacrimejam, habituados a imagens violentas frequentes. É no chão de uma sala de hospital. As lajes desse chão  seriam brancas, não estivessem manchadas a vermelho. O olhar é, entre outras manifestações mais ou menos subtis e pessoais de amor incondicional de uma mãe ao seu filho, a cumplicidade mais forte. É no olhar mesmo que esquivo, de ambos, que se descodifica o código do amor. Não há outro olhar como esse. Nesse cenário infelizmente real, uma mulher ainda jov

Era a poliomielite

José andava paraliticamente coxo. Doença antiga, de criança. E tinha os dentes encavalitados. Os que recebem as pessoas com sorrisos. Por isso sorria pouco e falava com a boca entreaberta para quem observa, e meio-fechada, na sua avaliação e vista sob a sua perspectiva. José era o único menino do prédio que não ia para o pátio das traseiras brincar com os outros meninos. Talvez por ter esse andar bamboleante, ou por não poder emitir uma opinião sem que um oceano de perdigotos se soltasse rebelde, da sua boca que não tinha a culpa. Um azar nunca vem só. A ele tocaram-lhe pelo menos dois, o que não foi justo, mas enfim os homens não se devem meter nas coisas dos deuses nem emitir opiniões sobre assuntos e decisões celestiais. Foi uma pena que nunca tivesse brincado connosco. Fizemo-nos homens e uma barreira a separar-nos, nunca ganhámos intimidade. Passava os dias empoleirado no beiral da sua marquise que dava para o pátio, a ver-nos brincar. Como não podíamos usufruir da sua compa

A MÁQUINA DE TECLAR PENSAMENTOS

Temos em nós uma máquina que tecla os pensamentos. Como se fosse uma máquina de escrever, que não é mecânica nem um objecto. É uma máquina biológica, muito mais complexa, de tal forma que ainda não se sabe como ela tecla os pensamentos. Fruto da sua livre vontade, ou de uma intenção pessoal, esta máquina que estará pousada numa secretária dentro da nossa cabeça, não tem um segundo de descanso. Desde que se abriu o escritório com o iniciar de uma nova vida, ela, formiguinha incansável, tecla e tecla dia e noite, produzindo um número inatingível de palavras em sequências de frases, que dariam numa existência – o tempo que o escritório está a laborar – para dar várias voltas ao mundo, ou mesmo, estendidas em linha direita e recta, ou mesmo chegar à lua. A Máquina de teclar pensamentos produz ideias profundas e complexas, mas também tecla asneiras e impropérios. Sendo humana, tem muita tendência para o erro. Por vezes também encrava e fica a teclar na mesma tecla provocando grand