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Mensagens

PALAVRAS À SOLTA

Há anónimos que escrevem mensagens em grandes superfícies, por todos os lados do urbano: muros, fachadas de edifícios, pontes. São mensagens de desconhecidos para destinatários desconhecidos. Por vezes têm nome no final, um nome próprio, um nome banal, nada mais. Estas são frases de intervenção, de cidadania vertida ou invertida, são pinceladas de amor, ódios, raivas, queixumes. Algumas acompanham-se de pinturas, riscos e rabiscos, os grafites, onde a assinatura não é um nome mas um símbolo, para alguém entender, um código, da tribo. Algumas destas composições, a que uns chamam arte, e outros torcem o seu convencimento disso, enchem momentaneamente o olho, e a alma, de transeuntes sensíveis, parados num semáforo, mal estacionados em dupla fila, esperando os filhos saírem da escola, ou de entrarem na aula de ginástica, numa paragem de eléctrico, encostados a uma parede a verem as vistas, distraídos nos pensamentos, do quotidiano, com os seus botões. Muitas destas palavra

Ah o AMOR!

Minha já mais que muito querida Niquinhas. É outro o substantivo, e gostaria tanto fosse adjectivo, que tenho a rodopiar estonteantemente como um pião na minha cabeça, mas o pudor impede-me ainda de o revelar. Pudor não, medo de não ser correspondido. Anseio pelo dia que isso aconteça, e que do outro lado, de si, venha a confirmação ruborescida de que gostou do trato. Quando acontecer esse dia, que espero seja amanhã, ou mesmo hoje que é o dia oficial dos enamorados, não nos trataremos por mais nenhuma outra palavra, senão essa que tenho na mente. Uma só será suficiente, pois que eu tenha conhecimento, não há palavra mais cheia para lhe oferecer, para nos reconhecermos no meio das multidões confusas, o que prova o sentimento contido nela, uma palavra que contêm todas as outras. Eternamente seu, assim me autorizem os deuses, Meu…Amor

VOTOS DE ANIVERSÁRIO

** A forma mais calorosa de desejar parabéns de aniversário a alguém que se estima verdadeiramente, é escrever uma carta e enviar um ramo de viçosas flores. Porque escrever é deixar vincado o sentimento, porque as flores viçosas, são a melhor aproximação que se pode ter do gozo da beleza em estado de usufruto absoluto. Quanto ao envio, propriamente dito, os pombos-correio eram práticos e fiáveis, mas caíram em desuso: andam agora espalhados pelas cidades aos mangotes, desempregados. São os indigentes dos pássaros, ao que se deixaram chegar! O ideal é mesmo entregar a carta em mão, ou usar os serviços dos correios. Se funcionarem. Depois do primeiro impacto, deixa-se repousar o efeito causado, de espanto espera-se, e prazer, e passado uns dias, vai-se pessoalmente, munido da vontade inabalável de um belo de um abraço, um beijo, um brilho nos olhos original e que seja honesto. Comparar esta lisura de trato – a carta - que revela uma grande consideração pelo outro

NÃO TECLE, ESCREVA

** T eclar é uma atitude mecânica, automática, enfadonha, bocejante. Teclar ajuda ainda mais a adormecer, e é isso que eles querem, que andemos todo o santo dia adormecidos. Escrever é um exercício completo: exercita a mão e alimenta a plasticidade do pensamento. Sim, pensar e decidir do pensado que se vai pôr no papel, fortalecem-nos por dentro e por fora. E para além  das razões expostas, escrever é um acto de beleza, pelo que só pode ser coisa boa de fazer. Escreva, não tecle. Deixe-se levar pela caligrafia, ornamente-a, não resista, perca-se na leviandade de uma grafia barroca escrita com aparo. Aproveite esta oportunidade para recomeçar, reaprender a escrever, com gosto: envie uma missiva a quem ama ou simplesmente considera. É muito melhor que receber um som de clique normalizado e olhar para o ecrã do seu dispositivo móvel, imóvel. Insiste-se que é infinitamente melhor, porque recebe um objecto tridimensional, com textura, cheiro e um conteúdo qu

EXEMPLO DE UMA CARTA DE SEPARAÇÃO COM UM TEMA COMPLICADO

“Amália Maria, Descarto-te, porque me desapeguei de ti. Afrouxei-me de sentimentos. Esfriei. O início. No início é sempre arejado. É como colher flores do campo - ou imaginando pateticamente a fazer isso –, andar aos saltos de mão dada em doces montanhas, como no filme “Música no coração”. Mas depois de se ver tantas e tantas vezes esse filme, de levar ao limite a imaginação, acabamos por detestar o campo, as suas flores falsamente coloridas que serão sempre a preto e branco e aquelas canções melosas, lúgubres apesar de darem sinais contrários, umas dissimuladas. A nossa vida deixou de ter odores fortes, muito menos fragâncias frescas. Deixei há muito de sonhar que chegados a velhos partilharia contigo a mesma manta dos pés. Para mim és , apesar da idade o desmentir, uma velha prematura. Tomei a decisão difícil, mas irrevogável de não repartir contigo nem ninguém as minhas intimidades físicas e as disrupções mecânicas e outras do meu corpo. Quero libertar a

FUGAS - ESCAPADELA , MAS VOLTAMOS, À SUIÇA

O meu imaginário, quando transborda - quase sempre - manifesta no receptáculo que habita (eu), quando vem ao pensamento a Suíça e outras coisas, o síndroma da perna inquieta. Mas para este caso - o que interessa - quando penso na Suíça, é que fico ligeiramente fora de mim, no bom sentido de estar fora. Montanhas e dinheiro. Montanhas carregadas, cheias, a transbordar de dinheiro. A guardarem-no, melhor dito. Sobre este último, não é necessário dar justificação, já que muitos o adoram. Das montanhas – vá -, quando se gosta, não é coisa explicável. Com o dinheiro e as montanhas, vem um ror de associações: bancos, contas anónimas de gente séria, multinacionais mais poderosas do que Estados e continentes, relógios magníficos, canivetes múltiplos usos, vaquinhas simpáticas e leiteiras, chocolates. Quase todos motivos suficientes para se ir à Suíça, pelo que vou, de fim de semana, esperando regressar curado da inquietude do meu membro inferior. Até chegar, tenho p

MENSAGENS DE AMOR EM TEMPOS DE GUERRA

Um Aerograma “Mariazinha minha doce amada. Penso que não te ofenderás se disser doce, menos ainda, amada. Não nos conhecemos em corpo, tu aí na metrópole, eu aqui nesta África por obrigação, mas chegará o dia, ambos o esperamos com a ajuda de um destino superior, que ajude a realizar o nosso encontro físico. Até lá, com o que já nos escrevemos, minha madrinha de guerra, ganhámos tanta intimidade que me permito sem vergonha e esperando que tu não cores, apaparicar-te com essas duas lindas palavras. Doce Amor. Amor Doce. Hoje no entanto, estou triste. Escrevo-te em azul petróleo, para não dizer negro. Aconteceu morte, a nossa rotina nesta espécie de profissão obrigada. Deveria parecer que estamos habituados a ela, mas nunca estamos, menos ainda quando nos leva um próximo. Lidar com a morte não é o mais difícil. O primeiro luto é pesado e lento, mas depois de se instalar repetindo-se todos os dias, praticamente, torna-se como todas as coisas, numa sensaboria.