Talvez o Fernando, construtor de pequenos barcos que só navegaram na sua imaginação, protagonista da história que a seguir se conta nesse catálogo comemorativo, tenha conhecido Fernando Pereira, que um dia, ou por razões de clarividência empresarial ou esmagado por impulsos do coração, se tornou sócio fundador do Jamaica, no balancear dos tempos de grandes mudanças num país habitado por um povo melancólico. Foi há 53 anos. Trepidantes anos de aberturas e novas liberdades, quando a “noite” de uma Lisboa abafada e muito provinciana, estrepitou em fogos de artifício, que encheu de luz e diversão, um Bairro Alto e um Cais do Sodré bafientos e antigos. Bares de encontros fortuitos e navalha de ponta em mola, escancararam a partir daí as portas a uma nova juventude burguesa, a aprender a ser citadina, cosmopolita, dançando até às tantas, sonoridades que vinham de fora: crioulas, tropicais, caribenhas, quentes.
De repente, as esquinas aguçadas,
obscuras de luminosidades sombrias onde as putas em finais de carreira, amparavam
os últimos marinheiros embriagados, mulheres de vidas amargas, falhas de amor, viram
as ruas que intersectam, renascer de vida, com cenários desanuviados e plenos
de vitalidade e folia.
O Jamaica deu o mote, por ser
pioneiro nessa “revolução”, à nova identidade do Cais do Sodré, e nesse
turbilhão, levou de arrasto, um por um, todos os bares vizinhos. E entre eles,
o Tokyo, posteriormente adquirido por Fernando Pereira, filho, vão 40 anos, vosso
anfitrião nesta noite de aniversário.
A topografia dos nomes dos bares, se
antes anunciava porto de abrigo temporário a homens solitários em busca de
momentos pagos de atenção e comércios de corpos anónimos, viu nos anos oitenta
do século passado, uma transformação radical dessas geografias, bares que se
vestiram como espaços de alegria e comunhão.
Todos com a sua identidade própria e,
se no Jamaica, os corpos suados, pegados, frenéticos, exultantes ritmavam ao
som desses sons de outras culturas, o Tokyo promovia espectáculos de música ao
vivo, promovendo as novas bandas portuguesas, como os Xutos e Pontapés. Nos
intervalos, uma oferta eclética de novidades contemporâneas nacionais e
internacionais.
Passou o tempo, a cidade
trasvestiu-se de turismos fáceis, incómodos, pelintras.
Com o tempo também, o Jamaica e o
Tokyo foram residir a dar caras com o rio. Dois espaços agora ligados e
intercomunicáveis, quais irmãos gémeos, cada um com a sua personalidade e
assinatura.
E aqui estamos a festejar as décadas
de uma existência cheia de histórias e memórias, dos que frequentaram e
continuam a frequentar o Jamaica e o Tokyo, e onde tantas e tantas vezes se viveram
momentos de felicidade.
Na actualidade, na renovação da
mudança, o Jamaica e o Tokyo continuam intemporais, frequentados por filhos e
por pais, locais de culto de uma certa Lisboa que teima em gostar desta cidade
maltratada e dos que ainda resistem à inexorável patina do tempo e das modas
destruidoras.
Parabéns a todos nós e dancemos desalmadamente
por esta noite fora, “Este barco que vai de saída”, e todas as letras que ainda
nos estimulem sonhos e quimeras.
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