As palavras ficam pálidas se não as
pintamos com cores, disse-me alguém um dia e sabia o que dizia. Foi meu
professor de instrução primária e era um homem sábio e humilde, que colecionava
selos e sabia o nome de todos os alunos.
Todos temos palavras preferidas, as que
mais usamos, especialmente em ocasiões festivas. Mas no dia a dia algumas são
tão repetidas que se tornam caricatas. Há mesmo quem passe a vida a repetir,
uma cacofonia, as mesmas palavras rebuscadas e deslustrosas.
É uma ideia sensata que as assentemos num
caderno, não venham a ser esquecidas, se um dia fecharmos os lábios secos à
construção dos sons ou se avariar a máquina de teclar pensamentos.
Os forasteiros, caso venham a encontrar nos
nossos despojos esse caderno, ficam a conhecer as palavras que nos preencheram,
as peças que utilizámos para montar os sonhos e as ilusões, em castelos de
papel manteiga, e que tantas vezes nas nossas vidas, desmoronaram com os vendavais
dos nossos suspiros em dias de nostalgia intensa.
Castelos caíram e outros se ergueram. Algumas
das palavras resistiram, de pé, florescendo esperanças de idílios futuros e
bons prenúncios.
Se alguém encontrar esse caderno e souber
ler e entender, ficará na posse de um retrato fiel do que fomos e revestimos.
Cada palavra preferida e altissonante é um nome que nós temos e ao serem ditas
por alguém, viramos a cara na sua direcção porque nos estão a chamar.
É, portanto, imperativo, pintar as palavras
para que se gravem na memória, e com sulcos profundos nas folhas desse caderno,
para que não caduquem na efemeridade de todas as coisas humanas, caindo ao chão
como folhas soltas, para depois serem varridas para as sargetas.
Nesse caderno as palavras devem ser
escritas pela nossa mão, para que se entenda que foi uma mão sensível e
cuidadosa que as caligrafou. Após esse trabalho de preservação, podemos
descansar, emudecer até, porque já dissemos tudo e agora é só revisitar os
sonhos das palavras que pintámos, eternos autodidactas deslumbrados.
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