A tua morte desnecessária e irrelevante para o andar das coisas – podias não ter morrido e ninguém dava por isso, menos eu que dava por te querer continuar a ter – foi o eco sem eco do grande fundo, uma entrada directa em velocidade, a provocar vertigens no abismo do silêncio, a queda fatal num lugar não físico, inominável, mais frio e silencioso que os termómetros mais frios que marcam nas terras longínquas do extremo norte. Nem com o mais excêntrico dos esforços a consigo imaginar.
Eu pensei, e digo-te com a maior das honestidades, que tu nunca morrerias. Sei que é negação e que o devo ultrapassar, mas não encontro explicação para seres chamada tão precocemente. Havia outros, primeiro. O poço sem fundo. Caíste, foste levada, eu sei, todos estamos a caminho. A imersão fatal e definitiva no obsceno nada. A tua morte foi absurda, escusada, podia ser mais tarde, o pouco suficiente para nos usufruirmos um pouco mais, nunca seria tempo suficiente, mas ainda assim, a nossa ligação única e inimitável pedia uma extravagância de tempo.
Merecíamos os dois essa pequena extensão. Sendo que nunca mais vamos viver e nem sequer nos vamos ver depois de mortos, porque os paraísos não existem, a tua viagem antecipada e a contragosto foi uma grande injustiça, não nos terem dado uma pequena extensão de tempo. Amámo-nos tanto que o merecíamos.
Anda, fica mais um pouco, não te vás já embora, chega-te ainda e conversemos, abraça-me, beija-me, sussurra-me histórias de adormecer, com heróis improváveis com nomes esquisitos, são histórias que tu inventas e nunca leste um livro nem conheceste uma letra.
Mas não foi assim, foi como o tempo quis.
Fica a
memória no repositório das memórias fundamentais da minha biblioteca pessoal.
Há ainda uma ténue esperança de que a existir alma, a minha, ao migrar, leve
consigo notícias de ti, e esse alguém que a vier a vestir, tenha sonhos
deliciosos e cheios, de um rosto feminino que não consegue identificar, que não
conhece, mas que actua como uma estrela, em sessões de cinema nas suas noites
de sonho.
O teu sorriso tímido e ao mesmo tempo curioso, foi inigualável e tão belo.
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