Um
dia, do nada, pôs-se a nadar, e foi parar ao Barreiro. Atravessou o Mar da
Palha, não foi pouco, desde Xabregas. Nem se deu conta da distância percorrida.
Quando se faz por gosto é fácil. Os amigos que estavam com ele nas conversas
habituais dos entardeceres de verão, à beira rio, quando deram conta que ele
tinha saído dali a nadar, nem queriam acreditar, boquiabertos, não lhes passava
pela cabeça que ele, um rapaz da cidade, soubesse flutuar sequer, quanto mais
nadar. Desde esse dia, já que não tinha nada a perder de uma vida que lhe
estava a dar tão pouco do esforço tanto que fazia para a ganhar, não fez mais
nada senão nadar. Não é bem assim, é um exagero. Constituiu família e todos os
actos notariais ou não a que se obriga um homem de bem, mas no restante tempo,
a maior fatia, nadava. Nadava em todas as direcções. Bastava que lhe indicassem
uma linha, imaginária que fosse de chegada, e punha tanto empenho, que a
maioria das vezes era o primeiro a cortar a fita. Principalmente aos domingos,
quando as pessoas descansam, e nas margens do rio e mesmo na marginal até à
bela Vila de Cascaes, amontoavam-se de gente entusiasmada e simples, como ele,
para assistirem em terra firme, às competições destes heróis dos mares. Não ignotos,
claro está, mais ainda assim salgados, e se fosse para todos, a maioria não
seriam espectadores, mas participantes. Ganhou a sua fama, umas valentes
palmadas nos costados largos e convites inumeráveis para brindar aos seus
feitos nas tabernas que havia-as como cogumelos, por toda a cidade. A alguns
almoços também compareceu. Hoje, esqueceu-se do seu nome. Olha fixamente, um
olhar que não se compreende. Talvez por dentro esteja forrado de instantâneos
de uma vida em beleza a que assiste à projecção, em privado, na intimidade da
sua interioridade. Foi um grande nadador.
Gostei da alcofa pousada na marquise onde entrava o sol com abundância e a minha avó costurava. Gostei do colo da minha avó. Gostei que me afagasse os lençóis ao deitar. Gostei de alguns tons escuros, os das noites, outros não. Gostei do silêncio da noite, gostei em geral dos silêncios. Gostei de ouvir num radio a pilhas músicas que me fizeram sonhar sonhos bons. Gostei do cão Tôto, de caça, onde cavalguei no pátio, a imaginar-me cavaleiro. Gostei daquela casa onde só me lembro do parapeito da janela, onde presumo que aos fins de dia eu e a minha avó víamos as pessoas a passar na rua e nós, abeirados do beiral as cumprimentávamos. Gostei de odores que já não identifico. Gostei da tia Rosa, mulher ainda mais pobre que nós a quem dávamos de comer e ela, em troca, me dava todo o seu amor porque nunca teve ninguém seu. Era eu. Gostei do carro de bombeiros que o meu avô me ofereceu. Tinha uma sirene. Era único. Gostei do primeiro livro de quadradinhos, contava
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