Um
dia, do nada, pôs-se a nadar, e foi parar ao Barreiro. Atravessou o Mar da
Palha, não foi pouco, desde Xabregas. Nem se deu conta da distância percorrida.
Quando se faz por gosto é fácil. Os amigos que estavam com ele nas conversas
habituais dos entardeceres de verão, à beira rio, quando deram conta que ele
tinha saído dali a nadar, nem queriam acreditar, boquiabertos, não lhes passava
pela cabeça que ele, um rapaz da cidade, soubesse flutuar sequer, quanto mais
nadar. Desde esse dia, já que não tinha nada a perder de uma vida que lhe
estava a dar tão pouco do esforço tanto que fazia para a ganhar, não fez mais
nada senão nadar. Não é bem assim, é um exagero. Constituiu família e todos os
actos notariais ou não a que se obriga um homem de bem, mas no restante tempo,
a maior fatia, nadava. Nadava em todas as direcções. Bastava que lhe indicassem
uma linha, imaginária que fosse de chegada, e punha tanto empenho, que a
maioria das vezes era o primeiro a cortar a fita. Principalmente aos domingos,
quando as pessoas descansam, e nas margens do rio e mesmo na marginal até à
bela Vila de Cascaes, amontoavam-se de gente entusiasmada e simples, como ele,
para assistirem em terra firme, às competições destes heróis dos mares. Não ignotos,
claro está, mais ainda assim salgados, e se fosse para todos, a maioria não
seriam espectadores, mas participantes. Ganhou a sua fama, umas valentes
palmadas nos costados largos e convites inumeráveis para brindar aos seus
feitos nas tabernas que havia-as como cogumelos, por toda a cidade. A alguns
almoços também compareceu. Hoje, esqueceu-se do seu nome. Olha fixamente, um
olhar que não se compreende. Talvez por dentro esteja forrado de instantâneos
de uma vida em beleza a que assiste à projecção, em privado, na intimidade da
sua interioridade. Foi um grande nadador.
Eram berlindes e guelas, os primeiros mais pequenos, os outros, mais vistosos, abafavam os berlindes. Eram de vidro cheios de cor, muitas, com padrões que davam ao girar a sensação de movimento encantatório. Compravam-se nas papelarias de bairro, pequenas superfícies habitualmente familiares que vendiam de tudo de uma forma absolutamente eficaz e personalizada. Estabelecimentos, não superfícies, designações de um presente deselegante, um nome que soa estranho e é frio. Os proprietários e os empregados sabiam os nossos nomes. Podíamos levar e pagar depois, numa contabilidade honesta que se fazia no livro dos devedores, preenchido a lápis de carvão. Este calhamaço era uma história do negócio, onde se desfiavam listas de nomes e produtos e datas. Raramente era usado para lembrar os atrasos: ninguém queria estragar relações de boa vizinhança, num tempo em que a honra e a honestidade eram valores não transacionáveis. Uns buracos no chão com uma distância entre si, medi...
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