E lá vai ela, rua fora, a procissão da
padroeira, todos os anos no mesmo dia.
Ela que zela no escuro e na luz, pelo seu
sítio, em sitio dos homens.
Protege-os e aos animais e às bestas, de maus
olhados, e outros agouros e infortúnios.
Vai na frente, a abrir caminho à solenidade,
a cavalgadura branca, garba, de respeito.
Seguem os escuteiros, mulheres e homens de
amanhã, na sua fase de formação caritativa.
Depois, a banda, a filarmónica, marchando,
mais ou menos compassada (um que outro troca
o passo),
tocando na melhor afinação, música solene, carrancuda.
Fazendo calor, que faz e aperta, uns levam o
nó da gravata à banda, aberto o botão do colarinho.
Desculpa-se,
É o dia da santa, a penitência não é das
menores, e estão ali para abrilhantar a festa, merecendo portanto, louvor e
carinho.
Logo curtos de distância, com os músicos,
vem sua santíssima, na trindade seu
representante, o pároco da localidade.
Paramentado,
de banho tomado,
escanhoado,
cabelo abrilhantado pelo shampoo,
dias não são dias,
e é nestes que as coisas são para se dar uso.
Tudo a bem da santa.
Como o calor aperta, quatro acólitos seus,
não são doze, nem apóstolos, são Acólitos,
pegam no pau,
os estandartes que penduram no ar a tela, que
dá a sombra e refrigério, do representante de deus na terra.
Distanciados, logo pegadas a si,
as
autoridades.
O chefe dos bombeiros, já de si farto,
arqueado pelo peso das medalhas, mantém um equilíbrio gravitacional instável.
O
chefe da polícia, talvez por ainda jovem, a começar carreira, aguenta-se na
vertical,
ainda não curvou.
No meio dos dois – pecador na terra, ganha
sempre um lugar no céu – o presidente.
Bastando sê-lo, para pôr todos em sentido,
não fosse o superlativo facto de ser presidente e ao mesmo tempo santo.
Não se
sabe que milagre o elevou à categoria celestial,
mas em
tempo devido, quando vier a prestar contas com a providência, logo se chegará a
um consenso, de atribuir virtudes, e um acto milagreiro que lhe franqueie as
portas do paraíso.
Depois, no final da bicha que agora é fila,
vem o povo.
Sempre no final, a arrastar-se,
em promessa,
em devoção,
verdadeira ou fingida.
Há sempre um ente querido a quem prometer
qualquer coisa,
mais não seja, longa vida e saúde e muitos
sucessos ao senhor presidente.
Homem que fala línguas
E no alto da sua sapientíssima lucidez anda a
alterar a toponímia do sítio que governa, para a língua dos saxões,
“Valley”
é muito mais bonito do que “vale”,
palavra baixa,
rasteirinha,
não convence ninguém.
Ainda ontem veio em queda livre lá do lugar
de depois dos montes,
e hoje
– magia mágica – fez-se homem do século
vinte e muitos,
vá a pressa que tem de ser moderno.
Viva a nossa Padroeira!
Viva o das mangueiras,
Viva o municipal,
E viva, mas muitas vivas,
O nosso bronzeado presidente!
Comentários
Enviar um comentário