Apanhava ar. No ângulo que fazia a esquina do murete que
delimitava a casa, antiga, ainda com telhado de colmo, num barraco onde mal
cabia ele, ali estava, velho, sentado num cadeirão de madeira, onde se percebia
existir uma almofada, igualmente velha, que lhe ampara as costas.
Diz-se apanhar o ar, porque é o que ele faz. Não está ali para
ver ninguém – poucos, muito pouco se passa –, as vistas, nenhumas em especial.
Está para arejar, isso mesmo, sair de casa, onde uma pessoa se pode encerrar, ir-se
encafuando, distrair-se de si e do mundo, e nunca mais sair, encarquilhando
lenta e inexoravelmente os movimentos, as vontades, o corpo, envelhecendo o
espirito e despedindo-se da alma.
Aquele cubículo, onde jamais caberia deitado, só mesmo sentado,
tem uma porta, que está aberta, e ele, ocupando todo o espaço do espaço exíguo
desse remendo de esquina de uma casa, é visto por este transeunte ocasional,
visto pela metade (só se lhe vê a parte direita do corpo que areja, a outra
parte, recatada das vistas na sombra do interior, não se vê).
O passante, ser furtivo naquele sítio, tira um instantâneo ao
velho, e segue dando-se aos ares, esquecendo-se imediatamente desse episódio
estático, tão parado que lhe pareceu irreal, porque mais à frente, logo ali, se
interessa por uma pequena horta, que lhe parece mimosa, cuidada, milimétrica.
Onde ele vive não há hortas, só supermercados. É pois motivo
mais do que suficiente para despertar o interesse, se bem praticamente não
consiga acertar, pelas ramagens, folhas e aspecto do que nomeia em geral como
ervas, os nomes certos das coisas. Faltam as etiquetas.
Entretanto de tudo isto, o homem velho, já sem mais tempo a
perder, acaba por se deixar dormir. Aproveita os ares e o sol, que andava
tapado, mas reaparece dando alguma luminosidade à cena, e aquecendo o rosto
quase mortiço do homem que vai resistindo a encafuar-se na velha casa de colmo,
a contar para dentro de si, histórias das memórias antigas, quando em vez de os
apanhar era dono e senhor de todos os ares.
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