Melides é frique, que bom, já há militantemente poucos. O hippie
chique e a esquerda caviar são dois braços da mesma vibe mas não emitem aquele
frisson de uma liberdade quase anárquica.
Melides traça a linha da fronteira do litoral alentejano, a sul.
A norte, veraneiam os intrinsecamente betos, os que juntam o tratamento blasé na forma como
se dirigem às pessoas na pessoa do “você”, aos chinelos Vuitton, com os pés
ligeiramente encardidos, às imensas pulseiras e colares sei lá, e que passam férias,
em suas cottage de colmo e mirras, na Herdade das Herdades, a que já foi a mais
do que tudo, que agora se desvanece em talhões cada vez mais pequenos, ainda
assim caríssimos.
Melides é frique mas vai deixar de o ser.
Não é uma aldeia nem particularmente bonita, nem particularmente
feia, nem tem (ainda) restaurantes particularmente dignos de estrelato. Mas tem
restaurantes estrambóticos, inesperados, dados a excentricidades decorativas. Em
vez de uma estátua de um ilustre conhecido local, fizeram uma instalação estatuária
de uma biblioteca pública, com livros e bancos de pedra, num larguinho, ao lado
de uma igreja alentejanamente linda, alvíssima com recortes a azul e um relógio
na torre sineira, que deve ter dado horas sonoras.
Melides tem casas feiosas, outras em bom estilo. Vá-se a saber,
concentram apontamentos excêntricos nas varandas e quintais: bonecos com roupas
de gente e alimárias, de cegonhas desproporcionadas a bambis laranja choque, um
festim do kitch.
Será a chamar a atenção, ou resquício dos efeitos deletérios de
produtos que os friques dizem usar terapeuticamente?
Em abono, a maioria dos habitantes é gente que não fuma, paga
impostos e já se conformou há muito.
No café dos sininhos de medronho, locais queixam-se que não têm
um hospital público de jeito - à mão. Há pessoas que nunca estão satisfeitas.
Pode ser que os queixosos sejam os friques das ervas de cheiro.
Na estrada que nos dirige à praia, passa-se um parque de
campismo, condição suficiente, para fazer de Melides um destino popular e
frique. Não o visitámos. Por fora apresenta todos os sinais de que viver
temporariamente em harmonia e conexão astral com a natureza no seu estado mais
puro, não vai ser uma das experiências para disfrutar neste parque.
A estrada desemboca no parque de estacionamento (gratuito, sinal
de que a zona ainda está descontaminada dos efeitos capitalistas das praias da
ínsula de Tróia). Apresenta-se aí, um conjunto de edifícios com linhas
contemporâneas, a oferecerem restaurantes e bares, até que um dia, quando mudar
a sorte que Melides tem de ainda ser frique, serem reconvertidos em lojas com marcas
griffe e conceitos echo-trendy, negócios de tias chiques e hippies – algumas de
esquerda -, que se meteram no business, porque é giro, não porque precisem do
dinheiro. Nascerão também e isso sim como cogumelos: rooftops, sunset spots,
com música a bombar futilidade.
Daí à praia um passadiço, em madeira, com vistas para um lago
humilde, circundado de hortas e das floras do campo, bucólico.
No final o espectáculo da natureza esparrama-se num manto
doirado, a dar o melhor de si, convidando ao desfrute incondicional dos
prazeres do mar e da areia, ou simplesmente a deixar-nos estar sentados, repousando
olhares, no embalo das ondas de uma água ostensivamente verde que não tem a
provar que é autêntica.
Os frequentadores, assim, sem obrigações de nada, reconciliam-se
com o mundo, pondo para trás das costas as arrelias da vida. São dias para as
pessoas normais, friques ou não, descansarem delas próprias e das que as
rodeiam.
O bar da praia, tem uma oferta de produtos e bebidas com custo
justo. Às vezes, meio adormecidos, parece sonho, materializa-se um músico com
uma guitarra, hipnotizando os fins dos dias, cantando em boa voz cantigas
bonitas e poéticas.
É um espaço descomprometido, simpaticamente servido por jovens
ainda na fase triunfal de serem imortais (um engano que a vida dá).
Sobram dois apontamentos: consta – sussurros que se ouvem - que figuras
do jet-set hippie chique estão a deslocalizar-se da Comporta para esta zona;
consta também que quando isso acontecer, Melides deixará de ser frique, o que é
pena. Por seu lado, a Comporta voltará a ser um lugar desempoeirado.
O universo gere as leis das compensações, para as quais, os
homens não são tidos nem achados.
O problema destes sítios são as melgas.
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