Tenho o carro à porta de casa, porque a garagem está atafulhada de caixas de
sapatos.
Os meus “Manolos”, os meus “Loubotins”, os apreciados “Stuart
Wetzman”, uma vida de grande esforço para os ter. Sim são como filhos que fiz nascer , que criei e alimentei com um carinho e
um desvelo de filhos verdadeiros.
Acariciei-os mais que ao próprio, o do sangue, que
os homens de pequeninos e de boas famílias, não se alimentam com carícias, mas
com distanciamento e razão. Quando forem adultos, não são piegas, moldaram a
força do seu carácter, na ausência do afecto, estão preparados para nos tratar,
a nós mulheres, como gostamos: com as deferências do gesto e a protecção
material dos nossos pequenos caprichos.
É assim que eu gosto deles, dos meus sapatos: arrumados, catalogados por filas de género e estação.
Já não os uso todos, os dias do ano não são suficientes e a moda é mais rápida que o som,
e se queremos estar na primeira fila, não devemos ter arrependimentos e deixar
para trás o que já lá vai, neste caso, o que já se calçou. Mas também há dias,
que da manhã à noite, não descanso os meus pés bem tratados, no calçar e
descalçar, nostalgias tontas.
Cada um conta a sua história e lembro-me de todas.
Os sapatos, são a minha grande paixão, e por elas
cometem-se todas as loucuras e impulsos. Não olho a despesas, e se me piscam o
olho, frágil e ainda ingénua - bens que nunca perderei na vida - deixo-me
seduzir, não resisto.
Os sapatos são a minha arte, a minha cultura, a
minha preciosa biblioteca. E posso dizer que tenho uma vasta colecção dos
clássicos aos contemporâneos.
Estou convencida que o meu amantíssimo marido, que teve
que se ausentar por uns momentos, para fazermos face ao custo da vida - que até
a nós já afecta - nunca reparou nos meus
sapatos. Não me lembro que tenha alguma vez feito um comentário, um murmúrio indefinido que fosse. Agora as minhas amigas, as que o querem ser e as
parvas que me odeiam só por ser boa e poderosa, essas sim não tiram os olhos do
chão que eu piso .
Sou a diva dos pés. A rainha dos tapetes vermelhos.
O chão sustem-me e merece-me.
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