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Mensagens

AOS AMORES INCONDICIONAIS

  A tua morte desnecessária e irrelevante para o andar das coisas – podias não ter morrido e ninguém dava por isso, menos eu que dava por te querer continuar a ter – foi o eco sem eco do grande fundo, uma entrada directa em velocidade, a provocar vertigens no abismo do silêncio, a queda fatal num lugar não físico, inominável, mais frio e silencioso que os termómetros mais frios que marcam nas terras longínquas do extremo norte. Nem com o mais excêntrico dos esforços a consigo imaginar.  Eu pensei, e digo-te com a maior das honestidades, que tu nunca morrerias. Sei que é negação e que o devo ultrapassar, mas não encontro explicação para seres chamada tão precocemente. Havia outros, primeiro. O poço sem fundo. Caíste, foste levada, eu sei, todos estamos a caminho. A imersão fatal e definitiva no obsceno nada. A tua morte foi absurda, escusada, podia ser mais tarde, o pouco suficiente para nos usufruirmos um pouco mais, nunca seria tempo suficiente, mas ainda assim, a nossa ligação única

Adeus, bye-bye.

Um nome só ganha vida se contar uma história. Seja nome de pessoa, seja nome de um lugar. As histórias das pessoas revelam-se no quotidiano partilhado; as dos sítios, contadas pelas gentes que os habitam e calcorreadas por nós. E sendo assim, ganha-se intimidade, e é esse o conhecimento de todas as coisas animadas e inanimadas. Expulsei-me por vontade, mas não por liberdade, da grande cidade, que chamava minha. Intoxicado pelo caos instalado, o desnorte, e uma horda cada vez mais avassaladora de turistas bárbaros, agarrados e dependentes ao grande circo da especulação e do lucro do consumo de tudo e o mais rápido que puderem, devorando o tempo. Chegam mais rápido à morte, mas pensam que não: pensam que viveram mais. Saí. Bati com a porta. Virei costas e exprimi o melhor que pude, desfraldando-lhes nas fronhas, o dedo do meio. É verdade, o mais erecto e esticado que consegui. Não sou de asneiras, mas disse-as. Esgotei-as todas, para onde vou não vou precisar delas. Adeus até mais

A AURORA DOS DIAS

 É em momentos inusitados, que se aprecia como um sopro suave e cálido de um final de dia de verão, o cair da noite que traz consigo num sossegar particular e seu, uma paz ao mundo, a intenção. Conciliamo-nos esboçando o movimento lento e simbólico de um abraço, e ficamos expectantes e noviços, pelo dia de amanhã, que virá pleno de todas as possibilidades e impossíveis. Para ser genuíno e credível, o que importa é haver total desconhecimento e nem sequer antecipação certa, de como vai ser o dia de amanhã. Sendo assim, ficam reunidas as condições para voltar a acontecer o deslumbramento inigualável e irrepetível, de que amanhã, afastadas todas nuvens negras, o mundo renasça puro e absoluto. Se for assim que aconteça, que seja tão belo que lacrimeje os olhos, de alegria e fé, uma fé primordial e ateia, de que vale a pena estar vivo, para assistir a esse nascer do dia novo, e com ele, a criação de todos os sonhos utópicos e poéticos.

FOGACHO DE UMA MEMÓRIA

Seria uma catedral gótica, o silêncio, o som vago das lajes de pedra concordando em suster o peso enorme de todo o edifício, figuração alegórica, a terra que suporta o peso do céu; uma ausência de som que não é uma ausência de som, mas sim murmúrios; o ranger tímido do soalho de madeira antiga de não querer incomodar a harmonia da serenidade. Um miúdo rasgando o tempo de fim de tarde desse espaço quase religioso, miúdo irrelevante, estarrecido nessa sala vazia de outras pessoas, fascinado pela parede de livros que lhe parece assumir uma dimensão, precisamente, de catedral. Onde estão os da casa, não se sabe. O miúdo espera por alguma razão que será a de brincar, o seu amigo, o da casa, que pode estar nesse momento no quarto a estudar e por isso a sala está vazia e o miúdo experimenta essas sensações em solidão. Não se toca num altar, nem por curiosidade. Assim, ele olha, quer, mas não toca em nenhuma das lombadas que o atraem tão magneticamente. A pedir que sejam lembradas, esc

O PESO QUE AS PEDRAS PESAM

A verdade, seja o que ela for, é que sempre me senti embaraçado. Desde que tenho a noção clara de que penso autonomamente. Com o tempo e as etapas da vida, não consegui pacificar-me dessa sensação de corpo estranho, que está a mais, um grão obstinado que empena a engrenagem de funcionar convenientemente. Pode ter sido meu o equívoco, não terei entendido e reagi de formas inapropriadas. Acho que não. Eles não podiam ser mais diferentes: um, histriónico, a chamar a sua atenção cansativamente; o outro, intelectualmente árido. Os dois, cada um a seu jeito, sempre a esgravatarem vias para desmontar a ilusão dos sonhos alheios. A verdade, também, a minha verdade, é que eu não queria nutrir essa antecâmara de sentimento frustrado, ninguém quer. Todos ambicionam o seu contrário: o deslumbre, o fascínio ofuscante, a imitação do modelo, construir um pedestal em mármore valioso para os seus heróis, semideuses do nosso Olimpo privado. Essa pedra pesadíssima com o peso que pesa todo o mundo e

DIGO, NÃO DIGO

  Um dia, dá-me - ai se me dá para aí! – Dizer que gosto de ti, E não vai haver quem detenha o vento, A soprar essa palavra, Que mais do que uma ideia minha, É um sentimento que estilhaça,  Na emoção inadiável de gostar de ti, Dizendo sem pudor nem vergonha, Por aí - Ressoando ecos intermináveis -, Uma palavra redonda e cheia: TU. E ai de ti, Se não gostas também de mim, Que sim.

CONVERSAS DOS DOIS

  Bem que tentei! Sempre a pôr assuntos em cima da mesa, digamos assim. De todo o tipo e feitio. Por vezes, quando o achava distraído, meio adormecido, atirava-lhe com um tema para cima, a apanhá-lo desprevenido, podia ser que reagisse. Nada. Mudo e quedo. E eu que não compreendia o seu silêncio, a sua ausência de reacção. Estaria a desconsiderar-me? Seria uma soberba intelectual sua que eu não me tinha dado conta? Ou seria uma atitude estroina e diletante da sua parte? Talvez, gostaria de acreditar, mas tremem-me as pernas, já me emociono muito, que não é por nenhuma das razões que enunciei. Não responde porque não tem nada a dizer sobre esses assuntos. Considera-me bastante, estou em querer, mas não entra em polémicas, é reservado. De um formalismo que que chega a parecer um político a fazer-se credível. O que ele verdadeiramente gosta, é de me lamber e derreter-me quando me olha na sua forma que tem de olhar que me deixa o coração a mil e um quilómetros à hora. Realiza-se co