A verdade, seja o que ela for, é que sempre me senti embaraçado. Desde que tenho a noção clara de que penso autonomamente. Com o tempo e as etapas da vida, não consegui pacificar-me dessa sensação de corpo estranho, que está a mais, um grão obstinado que empena a engrenagem de funcionar convenientemente. Pode ter sido meu o equívoco, não terei entendido e reagi de formas inapropriadas. Acho que não.
Eles não podiam ser mais diferentes: um,
histriónico, a chamar a sua atenção cansativamente; o outro, intelectualmente árido.
Os dois, cada um a seu jeito, sempre a esgravatarem vias para desmontar a
ilusão dos sonhos alheios.
A verdade, também, a minha verdade, é que
eu não queria nutrir essa antecâmara de sentimento frustrado, ninguém quer.
Todos ambicionam o seu contrário: o deslumbre, o fascínio ofuscante, a imitação
do modelo, construir um pedestal em mármore valioso para os seus heróis, semideuses
do nosso Olimpo privado.
Essa pedra pesadíssima com o peso que pesa
todo o mundo e os seus subúrbios, magoa-me as costas e encurvou-as com o passar
do tempo. Condenado a transportá-la até que o tempo acabe, para cima e para
baixo, imitando o Titã Atlas e o seu castigo injusto.
Nem todos conseguem ter uma actuação
sofrível nos papéis que são distribuídos. Há quem nem se aperceba disso, há
quem se esforce muito, há quem, de uma forma tão natural como se estivesse na
sua índole primordial, seja um actor de primeira água, arrebatador de palcos e
plateias.
Hoje, perdoo-me essa amargura, ao caminhar
numa idade em que se espera conseguir distanciamento, que facilita a
compreensão das coisas complexas das existências e das relações dos homens.
Tenho pena que tenha sido assim, por mim e
por eles.
Podíamos ter sido harmoniosos e deitámos para o lixo a única oportunidade que tivemos de habitar o amor. Agora são memórias, cada vez mais esbatidas, até que se apaguem sem aviso. E, quem sabe, os nossos, a dizerem o mesmo de nós no futuro já amanha.
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