A espuma das ondas, na rebentação,
são o último suspiro, inglório, tudo é vão, na areia humilde da praia, ponto
final da vida. No palco da representação
das coisas e dos seres e da mistura de ambos, a espuma é um actor secundário. O
esgar derradeiro da onda, antes plena de energia, vida pujante, não vale nada, nada
vale nada. A espuma das ondas, ou dos dias, ou dos acontecimentos, nunca será
um protagonista das histórias.
É somente espuma, esfarela-se em
coisa nenhuma, um fogacho, uma insignificância.
Neste teatrinho do faz de conta e do
mesquinho e desvalido, todos espumamos importâncias, reivindicações de atenção,
gritinhos mais altos, embandeiramos verdadezinhas nossas, vendendo-as como
absolutas, cavalgamos poderes pífios, tentamos ser alguém quando já o somos
pelo acto de nascer, não porque somos mais estridentes.
São as ondas que interessam, esse
fluxo inexorável de tempo e espaço, essa deslocação constante de todas as peças
do universo, que até podem ser múltiplos.
A espuma, pode ser a frustração das
pequenas coisas não realizadas, a projecção malsucedida de sonhos tantos, as
relações interrompidas, as perdas, no amor, na saúde, na autoestima. Coisas humanas,
demasiado humanas.
As ondas, essas, são movimentos
tectónicos, impulsionados por energias que não controlamos, com significados
desconhecidos , ou inexistência de significados não entendíveis.
As ondas são os grandes
acontecimentos que mexem e alteram o quotidiano dos seres, vivos e outros, das
sociedades animais e humanas. São originados pelas forças telúricas,
celestiais, ou então, pelos homens. Algumas dessas ondulações têm efeitos
fortes, devastadores, destrutivos. Outras, são absorvidas, integradas nas
dinâmicas receptoras e não causam danos de maior.
Pessoalmente, neste momento, são me
irrelevantes as conjugações locais que
se avizinham, a incúria continuada destes políticos que nos enganam, se o tempo
amanhã vai estar de chuva ou sol intenso, se a limpeza das matas não foi feita,
porque já todos sabíamos e sabemos que não ia ser feita, e desculpas há a
molhos.
Quero lá saber se um médico cobra um
milhão para neutralizar uma verruga indefesa, se o presidente de um clube cospe
para o ar, para criar uma cascata iluminada que distrai os papalvos, das suas
incompetências de gestão, se o político que não foi honesto com o seu povo,
escondendo coisas suas, não foi penalizado por isso, se outro político, mais
preocupado com as suas guerras familiares, cada um a carcarejar para se sentar
no topo da mesa, não apresentou um projecto credível, e depois se vitimizam
culpando o sistema, sempre o sistema (quando o sistema foram eles todos que o
criaram e continuam a alimentar).
O que verdadeiramente me preocupa é a
agonia da vida, o sofrimento maior em directo televisivo, o olhar insustentável
de uma criança, milhares de crianças, morrendo de inanição e doença, postas ao
desleixo do mundo, desta humanidade tão pouco humana, que assiste ao
espectáculo, enquanto come um belo bife com batatas fritas, arrota uns valentes
copos de vinho, e no final ainda palita os dentes de satisfação.
Como é possível?
Como deixamos chegar aqui esta civilização mais do que bárbara,
desumana e bestial?
Não nos revoltamos, não vamos para a
rua gritar, não exigimos respostas e acções aos que nos representam nos
beberetes dos salões engalanados dos poderes políticos?
Impávidos pela inação das
organizações mundiais de poder, uma União Europeia ausente (onde anda o
presidente do Conselho Europeu? está de novo escondido debaixo da mesa, como
esteve aqui, meses e meses a fio, a sua maioria a esboroar-se com casinhos e
ele ausente a passar desapercebido, debaixo da mesa de jantar do palácio?
O que os israelitas, estão a fazer é o
mesmo que lhes fizeram há décadas, a eliminarem da face da terra um povo inocente
e tão merecedor de viver em paz à face da terra como qualquer um de nós.
Isso para mim é muito mais do que a
espuma dos dias das nossas pequenas vicissitudes e frustrações quotidianas, e o
que mais me apoquenta é a minha impotência. Não sei o que devo fazer, como
posso fazer, para não me sentir culpado, ao mesmo tempo ofendido, profundamente
negro, envergonhado, por esta tempestade do mal que se abateu sobre nós.
O resto, é espuma suja, sinal do fim que se avizinha.

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