O príncipe, D. Fernando de
Saxe-Coburgo-Gota, alheado do miasma humano que invade a entrada do palácio,
cenário de uma invasão bárbara, pinta uma aguarela, uma vista com mar ao fundo.
Enviuvou da rainha portuguesa, e casou com a cantora de ópera Helise Hensler,
agora condessa d’Elba, que vive num belo chalet de campo no bosque místico do palácio da Pena.
Francis Cook, colecionador de Arte e
mecenas, tomou-se de amores pela serra e construiu um palácio excêntrico
(Monserrate), rodeado por um magnífico jardim com espécies de todo o mundo, uma
pequena arca de Noé vegetal. Francis Bacon, o poeta romântico, numa visita anterior,
sentou-se numa cadeira de jardim, nas ruínas que antecederam a nova construção,
deliciado, e assistiu à quietude de um final de dia, na serra de Sintra. Quem
sabe se flanando na sua cabeça, imaginações de poesias futuras, ele, um dos
príncipes do romantismo.
De outros palácios não se fala, que
são muitos.
Um monge, talvez frei Honório, que se
diz ter vivido a pão e água em reclusão total numa gruta nos confins uterinos
da serra, executa agora o seu ritual quotidiano de preces e elogios a deus.
A cena, recatada, acontece no
mosteiro dos frades capuchos, lugar esculpido no granito, num recôndito
sombroso de Sintra.
Nenhum turista se apercebe da
existência destes personagens, nem atenta nas particularidades das coisas e das
paisagens, dos seres vivos que as habitam e dos fantasmas que pairam
transparentes, nos intervalos de tempo, aguardando o chamamento para o convívio
com o Senhor.
Ao fim de uma espera enervante, consigo
finalmente comprar travesseiros na pastelaria que o rei D. Carlos deu conselho
aos proprietários para apurarem os sabores e desenvolver as vendas das
queijadas, que eles assim fizeram, nessa casa chamada Piriquita, em que uma das
herdeiras mais recentes (anos 40 do século passado), reinventou os
travesseiros, que a meu ver, rivalizam em sedução e sabor a outra e diversa
doçaria por esse país fora.
Sintra foi um lugar bucólico, um
jardim bem cuidado, primordial e aristocrático, às portas de Lisboa, quando o
Eça e o Ortigão, numa diatribe competitiva, escreveram a quatro mãos e duas
cabeças, os mistérios da Estrada de Sintra.
Hoje, a serra e a Vila, estão
sequestradas por marés intermináveis de turistas muito barulhentos, tanto que
asfixiaram os bons ares da serra, poluída agora com os riquexós contemporâneos,
e os guias com bandeirinhas e megafones, em tentativas de descrições mundanas e
parcas de palavreado, os turistas impacientes, especados, todos, nas fachadas
dos monumentos, ansiosos por chegarem ao fim dessas vias sacras e dedicarem-se
antes de voltar a Lisboa, em esperas prolongadas em filas mais ou menos
organizadas, para degustarem o tal do pastel e do travesseiro.
Fui um peregrino fiel nos passeios
pela serra e as suas aldeias saloias, algumas, o Penedo, que em tempos outros,
teve uma festa pagã em que se sacrificava um touro, para prazer e degustação do
seu povo. Durante 50 anos foram muitos os fins de semana em que subindo pela
estrada que vem do Guincho, sonhava que um dia iria, qual monge em recolhimento
e êxtase do belo, viver numa casa jeitosa, que bem podia ser no estilo dito
Estado Novo, que eu não deixaria de abrir janelas e portadas para a desempoeirar
dos ambientes húmidos e sombrios.
Não realizei esse sonho, e agora já
nem visito Sintra, terra estrangeira, a caminho de uma descaracterização, que
se está a generalizar como virose incurável, transformando-nos num jardim
zoológico, onde, autóctones, actuamos sem dar conta, para as Câmaras
fotográficas e tabletes sofisticadas, recordações fugazes de uma viagem a um
Portugal low cost.
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