Uma janela. De um lado desta, uma mesa, cor de mel. Um caderno pautado com linhas azuis, uma mão que orienta a caneta de aparo, escreve palavras, umas seguidas das outras. Quem comanda a mão, ou julga que a comanda, olha a intervalos pela janela, para fazer uma pausa. Do outro lado do vidro não tem uma vista ampla. Vê uma fachada de um prédio cor-de-rosa, metade de outro amarelo, o telhado de ambos, e janelas. Várias. Vê também um pedaço de céu, não muito. Durante o dia todas as janelas são quadrados negros. Não se vê nada para dentro delas. É possível que alguém, protegido pela sombra, esteja a olhar também através da sua janela. A olhar para este lado de cá e verá outras janelas idênticas num prédio amarelado, uma linha de telhado e uma linha de céu. À noite quando acendem luzes, candeeiros, as janelas ganham vida, pode-se ver para dentro delas. É como se projectasse em várias telas quadradas, ao mesmo tempo, sobre uma parede cor-de-rosa e outra amarela, cenas de filmes diferentes, simultâneos. Crianças aos saltos num sofá, pessoas sentadas à volta de uma mesa a jantar, ver televisão na sala de estar, homens e mulheres que fumam um cigarro, velhos solitários que se abeiram, e olham de uma forma prolongada, lenta, primeiro para a rua, depois para o céu e fecham as janelas. Pouco há dizer sobre os telhados desses dois prédios, que são constituídos por telhas tradicionais, banalíssimas, com o seu avermelhado característico. Por vezes pousam pássaros, melros e ocasionalmente gaivotas. E por ali ficam, talvez a olharem para este lado, de onde os vejo e saúdo. Curiosos ou não. O céu pode estar límpido ou com nuvens, variando os tons de azul, que vão até serem cinzentos. De noite há estrelas, incontáveis, mas veem-se poucas, pelo excesso do efeito de contraluz dos candeeiros das ruas, os faróis agressivos dos carros, outras iluminações. Nas cidades veem-se mal as estrelas e perdeu-se-lhes o nome.Quem comanda a mão que escreve e os olhos que olham através da janela, sentado a uma secretária cor de mel, acaba também por baixar as persianas da sua janela quando lhe vem, de dentro, o chamamento do sono. Os outros ecrãs onde se projeta luz, começam igualmente, um a um a apagar-se, até que apenas o sussurro das coisas longínquas e despertas na cidade, estendem o manto às ruas para que ela adormeça, e nós.
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