Volteando, rodeios detalhados do olhar, sobre o nada, procurando
o companheiro.
O nada, enorme espaço vazio diante de si, sem que se vejam seres
com vida, esporádica. Ervas sim e escassas árvores, pequenos arbustos que mal
vingam na inclemência do clima.
Pedras, amontoadas, rolam amíude encostas abaixo, blocos frios
de granito.
Desse ponto alto, privilegiado, um patamar estreito, vê-se uma
parte substancial do vale profundo. Passa um rio revoltado, por isso
serpenteante e rapidíssimo.
Ela escrutina a presença do companheiro no cenário montado pela
paisagem inóspita.
Anda a caçar animais, atitude primordial.
Não o vendo para já, não intuindo sequer nenhum perigo eminente,
nem para si nem para ele, ela continua sentada de costas direitas apoiadas numa
parede plana. Um trono natural.
Põe-se o sol, o céu compõe-se no epitáfio do dia de cores
inusuais para a época do ano.
Findo o acontecimento solar banal porque está sempre a acontecer,
depois de o usufruir, tendo já o sentimento apurado da fruição, ela vira-se,
sem justificação, para a parede.
Tem um sílex, curto, afiado, na mão direita. Está engordurado e
pinga. Cor do sangue, ou será ou não um pigmento propositadamente misturado a
esse óleo, ou o que seja.
Depois de passar a mão esquerda sobre a superfície lisa do monólito,
a parecer que o acaricia, ela traça com o utensílio a configuração de um sol,
bola quase redonda e riscos, toscamente, um símbolo. Ao lado, estiliza uma
figura que pode ser humana. Detém-se a olhar. Vira-se de novo para o abismo.
A atenção toda no vale. E vê-o, um minúsculo quase risível ponto
em movimento. Reconhece-o, o seu companheiro.
Abandona a plataforma e vai ao encontro dele. Que intenções teve
ao desenhar um sol e uma figura humana, num local ermo, escassamente povoado?
São esboços inúteis, inglórios, anónimos para a posteridade, provavelmente
nunca mais vistos, nem por ela própria.
Se alguém os encontrar, muito tempo depois, talvez não entenda a
sua intenção ao desenhá-los e invente uma intenção, se é que ela teve alguma.
Fez arte, dirá ele, o descobridor do tesouro arqueológico. Foi um
dos primeiros momentos de humanidade, acrescenta, para dar mais solenidade à
sua teoria.
Quem rabiscou naquela parede, pode nem ter sido ela,
dificilmente se saberá.
Quando se juntou ao companheiro, ficou feliz, ele trazia uma
bela peça de carne.
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