Foi um olhar de desinteresse, talvez com uma
ponta de soberba, senti dessa forma, estaria equivocado.
Eu, que já vinha com receio, dei-me por vencido
sem contestação. Não era para mim. Ela não podia estar a olhar para mim.
Desconhecíamo-nos e eu não tinha nenhuma motivação em a saudar sequer.
Iniciar uma relação, alimentar uma comunicação
continuada, inventar um código de entendimento para essa comunicação, coisas do âmbito relacional.
Não, eu não queria isso. Dela eu não queria nada, a não ser distância.
Incomodava-me a sua presença, ela deve tê-lo
percebido. Deu-me espaço, mas cada vez menos espaço. Inteligente, felina, caçadora paciente.Foi estreitando a
distância muito a pouco e pouco, num propósito de passar desapercebida, até eu
vir a dar por mim sem pontos de fuga.
No momento em que me sequestrou
definitivamente, é que dei conta de que afinal somos indissociáveis. tinha sido irremediavelmente seduzido.
Nesse ponto da relação já tínhamos estabelecido
o nosso dicionário privado. Eu entendia os seus olhares, os directos e os mais
estranhos, enigmáticos mesmo; ela pressentia ou intuía, ou fruto de um qualquer
mecanismo meu desconhecido, mas fazendo parte do seu arsenal intrínseco à sua
natureza, os meus estados de ânimo. E desenvolvia os seus comportamentos em
conformidade com o meu estado emocional.
Basicamente, deitava-se sobre mim, capturando a possibilidade de vir nos minutos mais próximos - senão horas - eu vir a executar livremente algum tipo de movimento corporal. Ía muito lentamente ajeitando o
seu corpo de uma forma subtil, sem peso, encontrando a posição mais
confortável.
Estando ela nestes preparos, não me restam dúvidas que o que dizem deles é a mais pura das verdades: sinto os seus efeitos terapêuticos, tranquilizadores, transmissora de paz. Um aspirador de energias turvas.
Neste momento da minha vida poderei viver sem
ela, mas não quero, porque nos integrámos os dois nos dois, e sendo assim um,
não é mais possível a separação.
Falo de uma gata nada arisca, que se chama Patanisca, que é e
espero não se abespinhe por o dizer publicamente, um dos meus improváveis amores.
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