Não te
sobressaltes, eu estou aqui, aninha-te na minha mão.
Os sons
estridentes que se ouvem no exterior não nos estão a chamar para a festa. As
luzes coloridas que se veem no céu da janela da nossa casa, não estão a
anunciar calendários de romarias.
São sons maus
e luzes feias, sons que violam os nossos ouvidos, luzes que cegam os nossos
sentidos. Não nos deixam dormir, prenunciam uma guerra a bater à nossa porta.
Não atendas,
pode ser que vão embora. Vamos fingir que não estamos em casa.
Apaga a luz,
e finge.
Os tambores
estão a assustar os animais. Oiço-os balir, coitados dos animais.
Imagino –
mas não distingo os rostos - homens que fazem tremer o chão com os tacões das
suas botas pretas infetas. Levam aos ombros estandartes de mau gosto, e caminham
em uníssono para nos amedrontar e espetar os pálios aguçados nos locais das
novas conquistas.
Imagino que
à sua frente, outros homens a quem ninguém pediu opinião, disfarçando o choro
para dentro, para não apoquentar as mulheres e as crianças, abandonem as suas
casas.
Transportam nada nos ombros, rumo a nenhures, a uma terra sem mais exigências senão a possibilidade simples de viver.
Transportam nada nos ombros, rumo a nenhures, a uma terra sem mais exigências senão a possibilidade simples de viver.
Tenho em mim
a vergonha dos homens do mundo, e a frustração de não ser capaz de os chamar à
razão.
A ausência de um algo que seja – uma sensação,
um esboçar de emoção, um esgar de sentimento - habita as suas mentes gélidas.
Não
há sinais de vida humana nos labirintos vazios que preenchem os invólucros
cranianos dos homens dos tacões negros.
Não consigo
chegar à fala com os corações desses homens: couraçados pela musculatura
desenvolvida nos ginásios do poder, em que treinam, frenéticos, obcecados, dia
e noite, alucinados pelos efeitos de hormonas indesejáveis.
Passa-me
agora pela cabeça, a correr desalmadamente, a ideia que somos a espécie mais
evoluída do planeta mas não a mais sensata.
Evoluídos e bacocos!
Arrepio-me.Tenho frio.
Estou agora
numa cena diferente: vejo-nos a idealizar grandes obras, moldando essas
abstrações em matéria – dizemos arte - para deleites e encantamentos de todos.
Mas ao lado
dessas obras, junto a nós, iguais a nós, vejo homens a assassinar com a maior das
crueldades, enterrando as adagas até ao punho, num gozo e num acto que nenhum
animal pratica.
Tenho vergonha
e medo. Muito medo!E frio.
Acordo sem
saber onde estou. Levo tempo a orientar-me. Executo malabarismos patéticos com
as mãos para voltar a ser senhor do escuro. Encontro o teu corpo quente.
Não te
preocupes, dorme o teu sono repousado. Eu estou aqui.
Acabei de ter um pesadelo.
Comentários
Enviar um comentário