Arrastam-se palavras nas vielas, dobram esquinas com
cantos cortantes, palavras que buscam abrigo em tascos duvidosos .
Tristeza em
banho-maria, tristeza de pessoas simples,
dramas em roupão de flanela. O riso e o choro não têm balança que os equilibre.
Episódios de vida
cantados, desembrulham-se do papel
vegetal, em cima da mesa do jogo, causam efeitos e estragos , seguem caminho,
esvanecem.
O fado é um
líquido espesso , saudade que corre
nas veias e faz as vezes do sangue.
Amor e
traição em bocas marcadas com
rugas, olhos cerrados, um conta gotas da
bílis que inunde os espaços da alma .
O xaile negro
aconchega o regaço da fadista,
protegendo-a de abandonos, aconchegando-a de si. Também esconde dos olhares
o bater descompensado do seu coração.
No silêncio com
que se escuta, faz-se velório, morte feita vida.
A guitarra geme
em floreados insistentes, anunciando um drama insustentável. Nenhum outro ser senão nós, aguenta estes
trinados.
Aos Domingos, na
tasca da Graça, canta-se fado. Com
pastel de bacalhau e copo de três, ginginha, com ou sem elas. Canta quem quer e
vem , numa quase gruta obscura, forrada a azulejos de mau gosto, e fotografias coladas
nas paredes, desbotadas e gastas de glórias e jovens promessas.
Fia-se na roca da imaginação o mistério
humano, em solavancos da voz .
A melancolia
escorre pela casa, e cola-se ao corpo.
Passam ceguinhos
que gritam e não cantam; passam meninos e meninas tímidos obrigados pelas mãos das mães, enquanto os
pais fumam cigarros e bebem copos de vinho, conversando trivialidades
com os transeuntes que na rua se
detém por momentos a ver o que acontece lá dentro ; passam, ficam, velhos
amargurados, a sonhar fama, trajados com o fato que os vai acompanhar à cova;
passa quem bem canta e quem não.
Uma ou outra vez estelas mais brilhantes
aparecem. Os donos da casa fazem essa
memória em fotografia, para mais tarde mostrarem aos “camones”, que a sua casa, é o grande palco do mundo.
Todas as casas,
são a representação do mundo.
Silêncio, que se
vai cantar o Fado:
Cheia de penas me deito
E com mais penas me levanto
Já me ficou no meu peito
O jeito de te querer tanto
Tenho por meu desespero
Dentro de mim o castigo
Eu digo que não te quero
E de noite sonho com contigo
Se considero que um dia hei-de morrer
No desespero que tenho de te não ver
Estendo o meu xaile no chão
E deixo-me adormecer
Se eu soubesse que morrendo
Tu me havias de chorar
Por uma lágrima tua
Que alegria, me deixaria matar.
Os homens choram
para dentro, e pedem um pastelinho de bacalhau, para disfarçar.
Os turistas,
absorvem em sentimento, o sentimento alheio da gente deste país, em golos de mau
vinho Não percebem as palavras. A emoção não necessita delas.
Eles não percebem
o fado.
Percebemos?
Por uma lágrima tua,
Que alegria, me deixaria matar.
Que bonito. Obrigado
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