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Mensagens

O milagre da transformação das mimosas em medronhos

É um quadro bucólico, não fosse esta palavra fora da moda, uma palavra do romantismo, no tempo em que uma paisagem campestre era bucólica e sentimental. Agora, não há paisagens bucólicas no campo, que deixou de ser  espaço de fruição e é cada vez menos espaço de trabalho. Agora, vai-se ao campo para fazer caminhadas esgotantes preocupados em contar os passos e medir constantemente a frequência cardíaca e percentagens de oxigénio. Terminadas e ofegantes, orgulhosos dos níveis e desníveis acumulados nas leituras GPS e guardados nos mapas que logo à noite se vão publicar nas redes sociais para envaidecimento próprio e pingar pirralha aos amigos, descalçam-se as sapatilhas, entra-se no carro e volta-se ao ponto de origem, a cidade. Os que foram, foram ver, não olharam. Os campos já pouco se trabalham, deixaram-se ao abandono das giestas e dos matagais. As florestas já não são locais de saúde física e mental, viveiros de vida, poupanças de futuro para os filhos e os netos, são locais ca...
Mensagens recentes

AS TOUPEIRAS

Havendo ou não um túnel, curto ou comprido, onde a luz é escassa, quase trevas, e sem que se veja, se sente apenas que se caminha numa direcção que não se sabe, até que finalmente, depois de passarem todos os filmes e projecções dos anos que foram vividos, uma pequena impressão de luz, tão débil, que mal se pode acreditar, pode ser uma falha da visão, um erro, se avista a uma distância que não se calcula, se perto, se longe. Havendo o desfilar por ordem de um caos que se instala sem regra nem ordem, dos acontecimentos, episódios, histórias boas e más e indiferentes, datas comemorativas, datas de pesar, datas formais, datas por obrigação, relações e quebras de relações, laços fortes e que se desfizeram num soprar de brisa fraca, rostos, definidos, indefinidos, belos, alegres, sofridos, e as outras coisas todas, tantas ou mais talvez, as paisagens, as linhas de horizonte, o Ceu, o Mar, a Terra, os seres diversos e imprescindíveis. Havendo tudo isso e tudo o que se esqueceu, e que foi...

As cidades e a as serras. Revisitação quierosiana

  Neste tédio de uma Tormes adormecida, adio e não consegui ainda conhecer todas, mas gostava, e prometo que não vou fazer uma lista das melhores e das menos melhores, porque desconfio que vou gostar de todas. Falo de uma, e logo outra me seduz, indecentemente. Não tenho para onde virar a atenção, umas atrás de outras, a reclamarem atenção. E têm razão.  Fosse eu um Adónis, que nunca nem em intenções, e ficaria apimentado pela picardia, de umas a competir com outras, por um olhar meu e a conjugação de meia dúzia de palavras escritas com honestidade.  Mas não, elas competem por atenção e têm a sua razão certa, porque a bem ver, quase todas as aldeias do nosso Concelho são ´vaidosas, não fossem elas ainda e algumas, sofredoras crónicas de uma ciática dolorosíssima de continuarem dobradas a subserviências de  passados coitadinhos, que já passaram -tantos tempos,  mas nunca mais deixa de parecer que ainda foi ontem – e as suas gentes não terem ainda dado por i...

O BARCO VAI DE SAÍDA

  O barco vai de saida, ai que pagode, Que vida boa é a de Lisboa… E vai de novo a barcarola, navegando ondas redondas, suaves, e musicais, transportando-nos, embalados e num suave prazer, na Arca da Esperança. A noite pôs-se linda porque sabia que ia haver festa. Um longo tapete vermelho que a cidade estendeu, a caminho do rio, para uma confraternização histórica: o Aniversário do Jamaica e do Tokyo. Por uma causa nobre e inclusiva, jovens e outros um bocadinho menos - seremos todos jovens os que sorrimos descaradamente -  juntaram-se a brindar, transportados por memórias do tempo - muitos e que bonito foi - agora juntos com os seus filhos, numa cumplicidade de festa e alegria. É verdade que a boa música é intemporal, mas saboreia-se mais em comunhão, à roda de um grupo e foi o que ontem aconteceu. O aniversário do Jamaica e do Tokyo. Os menos jovens, mas não menos actuais, reviram rostos conhecidos com as roupagens do tempo presente que agora veste as feiçõ...

O Aniversário.

Talvez o Fernando, construtor de pequenos barcos que só navegaram na sua imaginação, protagonista da história que a seguir se conta nesse catálogo comemorativo, tenha conhecido Fernando Pereira, que um dia, ou por razões de clarividência empresarial ou esmagado por impulsos do coração, se tornou sócio fundador do Jamaica, no balancear dos tempos de grandes mudanças num país habitado por um povo melancólico. Foi há 53 anos. Trepidantes anos de aberturas e novas liberdades, quando a “noite” de uma Lisboa abafada e muito provinciana, estrepitou em fogos de artifício, que encheu de luz e diversão, um Bairro Alto e um Cais do Sodré bafientos e antigos. Bares de encontros fortuitos e navalha de ponta em mola, escancararam a partir daí as portas a uma nova juventude burguesa, a aprender a ser citadina, cosmopolita, dançando até às tantas, sonoridades que vinham de fora: crioulas, tropicais, caribenhas, quentes. De repente, as esquinas aguçadas, obscuras de luminosidades sombrias onde as put...

Aqui para nós

Ponderei maduramente se deveria escrever estas palavras e expor o meu pensamento a esta comunidade de Figueiró dos Vinhos, que tão generosamente me recebeu. São os meus receios e preocupações e considerei um imperativo moral de partilhar com os outros, e que isso possa entreabrir uma porta de reflexão, diálogo e opinião. Vivemos num país onde a democracia não cedeu lugar à existência do espaço público (esse espaço foi ocupado pelos meios de comunicação onde os comentadores são os mesmos políticos que comentam, numa lógica de circuito fechado), anfiteatro aberto onde os cidadãos, com espírito crítico e pensamento responsável, pudessem desenvolver os seus direitos de cidadania e opinião. Esse espaço inexistente, resume-se ao círculo mínimo dos convívios eventuais nos cafés e nos bares, aos chistes, nas festas das comunidades, mais em jeito de dizer mal por dizer mal, do que o sentido adulto de manifestar e dar a conhecer o pensamento pessoal para se frutificar na conversa, avançando ...

Adega dos Passarões

Imaginando o oeste longínquo - o faroeste -, salpica-nos como um instantâneo, a imagem do “ Saloon”, um local de encontro, bar, lupanar, uma hospedaria e residência penúltima antes da cova, dos que tinham o azar, ou a aselhice da lentidão, ou falta de acerto, na pistola pesadíssima que desembainhavam dos coldres pendentes nas ancas, e que chegavam com um atraso fatal ao momento do tiro, matando os desajeitados e reafirmando a vida dos que acertavam no momento devido no gatilho. Esse faroeste é o dos filmes dos vaqueiros, das terras sem lei, dos índios que tinham os melhores cavalos, selvagens como eles, os que melhor se vestiam, longas tiaras de penas vistosas, olhar indomável, mas eram os que perdiam sempre. Parece que existiam para isso mesmo: perderem ainda mais do que os desajeitados da pistola, que ainda assim eram brancos e estavam acima na hierarquia das espécies humanas criadas pelos deuses, e devidamente estratificadas, para não haver mais conversas nem atropelos de poder....