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Mensagens

DIGO, NÃO DIGO

  Um dia, dá-me - ai se me dá para aí! – Dizer que gosto de ti, E não vai haver quem detenha o vento, A soprar essa palavra, Que mais do que uma ideia minha, É um sentimento que estilhaça,  Na emoção inadiável de gostar de ti, Dizendo sem pudor nem vergonha, Por aí - Ressoando ecos intermináveis -, Uma palavra redonda e cheia: TU. E ai de ti, Se não gostas também de mim, Que sim.

CONVERSAS DOS DOIS

  Bem que tentei! Sempre a pôr assuntos em cima da mesa, digamos assim. De todo o tipo e feitio. Por vezes, quando o achava distraído, meio adormecido, atirava-lhe com um tema para cima, a apanhá-lo desprevenido, podia ser que reagisse. Nada. Mudo e quedo. E eu que não compreendia o seu silêncio, a sua ausência de reacção. Estaria a desconsiderar-me? Seria uma soberba intelectual sua que eu não me tinha dado conta? Ou seria uma atitude estroina e diletante da sua parte? Talvez, gostaria de acreditar, mas tremem-me as pernas, já me emociono muito, que não é por nenhuma das razões que enunciei. Não responde porque não tem nada a dizer sobre esses assuntos. Considera-me bastante, estou em querer, mas não entra em polémicas, é reservado. De um formalismo que que chega a parecer um político a fazer-se credível. O que ele verdadeiramente gosta, é de me lamber e derreter-me quando me olha na sua forma que tem de olhar que me deixa o coração a mil e um quilómetros à hora. Realiza-se co

SAMARCANDA

Estudei na Madrassa , em Samarcanda. Filosofia. Dizem alguns que estudar essas coisas seca a alma. Talvez. Não tinha mais opções, não tinha habilidade para ser guerreiro e o comércio não era para mim. Ou a filosofia ou a religião. Esta, tentei, fui honesto, pareceu-me monótona. A primeira, construiu andaimes no meu pensamento. São tantas as questões que nos tocam. Cheio de dúvidas, mas cheguei aqui, inabalável, um amante razoável e leal da filosofia, e mantenho a fé no pensamento. Samarcanda era nesses tempos, uma encruzilhada cosmopolita. A Rota da Seda, e das especiarias, e afinal, de todos os bens e riquezas que as longas caravanas de camelos transportavam por milhares de quilómetros, sob o calor inapropriado dos desertos e a solidão dos homens, os condutores dos camelos, que não tinham outra família que as bestas e estas eles, pensavam ambos as mesmas coisas, seres sobreviventes, sérios, introvertidos. Nos dias que procuravam refrigério nesta grande cidade do mundo conhecido
  Flutua o teu olhar atento num lugar que ainda não conheces, Espana as poerias do caminho e de outros que já fizeste, Renova-te, E limpo, aceita o dia .

VERÃO

O prazer dos dias caldosos, lugares doces, caiados, andaluzes, Quando o calor pinga nos corpos, e nos convida a inacção. O gosto da ausência do tempo das obrigações, não ter nada de importante para fazer senão, Estar. Os olhos pousando em coisas fúteis: Um pássaro escondido numa árvore, uma pequena lagartixa aquecendo-se numa parede recebe o sol bárbaro nas horas do meio-dia, a formiga no carreiro. A sensação, forte e sem peso, dos ruídos do silêncio. Os grilos, solistas fundamentais; o zumbir da abelha laboriosa e incansável; o coaxar dos sapos no sapal; o som distante, quase mínimo, de pessoas que sussurram por trás do cenário. O som que não se ouve do silêncio. Os odores, Da brisa do mar, das flores, dos figos, do limão. Do pão acabado de fazer, ao pequeno-almoço. Do grelhador. A sensação refrescante na pele queimada, a água fria de um chuveiro improvisado no jardim. As conversas ao pôr do sol, enlaçadas com um generoso vinho branco.

TOUPEIRAS

  Havendo ou não um túnel, curto ou comprido, onde a luz é escassa, quase trevas, e sem que se veja, se sente apenas que se caminha numa direcção que não se sabe, até que finalmente, depois de passarem todos os filmes e projecções dos anos que foram vividos, uma pequena impressão de luz, tão débil, que mal se pode acreditar, pode ser uma falha da visão, um erro, se avista a uma distância que não se calcula, se perto, se longe. Havendo o desfilar por ordem de um caos que se instala sem regra nem ordem, dos acontecimentos, episódios, histórias boas e más e indiferentes, datas comemorativas, datas de pesar, datas formais, datas por obrigação, relações e quebras de relações, laços fortes e que se desfizeram num soprar de brisa fraca, rostos, definidos, indefinidos, belos, alegres, sofridos, e as outras coisas todas, tantas ou mais talvez, as paisagens, as linhas de horizonte, o Ceu, o Mar, a Terra, os seres diversos e imprescindíveis. Havendo tudo isso e tudo o que se esqueceu, e que foi

AS MENINAS

  Nunca fui capaz de me cruzar com uma pessoa sem a cumprimentar. E elas também me saudavam. Não sabia, mas inventei-lhes nomes, não se pode tratar ninguém sem se poder nomear. Conhecíamo-nos. Eramos do sítio. Eu sabia que todos os dias a determinadas horas elas estavam nos mesmos lugares das mesmas ruas do meu bairro, e elas sabiam que eu passaria por essas ruas, miúdo tímido, a mal levantar o olhar ao olhar delas. Cada um de nós tinha os seus afazeres, mas nesse ponto eu não tenho a certeza de na altura, saber os afazeres delas. Teria talvez uma ideia vaga ao que se dedicavam, porque estavam ali, o que não me interessava, porque o que valorizava e valorizo, é a simpatia das pessoas. Nisso eramos fartos. Foram anos de convívio, em todas as estações do ano e na altura eram quatro, elas sempre nos mesmos sítios, eu, a passar por elas, para cima para baixo, nas ruas amplas do meu bairro. Os passeios eram desafogados e estavam pontilhados num alinhamento geométrico, por árvores de grand