Avançar para o conteúdo principal

Mensagens

TU

Não queria que me escapasses. Não tenho explicação, Eu mesmo achava que não era desses, Mas nos momentos limite De te deixar ir, Prendia-te ainda mais. Abraçava com uma força Desmedida, Que nem sabia que possuía. Uma atracção magnética, Se o posso dizer. E tu, Indeciso, Mas com alguma vontade contrária, Ficavas. Eu, Antecipava o inevitável, Minutos, horas, Quem sabe dias inteiros, Perfazendo muitos. Esperança vã. Porque, Para que tu nunca te afastasses, O que eu deveria realmente fazer, Era abrir as mãos e deixar-te ir. Impulsionado por um pequeno sopro, Meu, Saído da minha boca, Sussurrando no seu impulso : liberta-te, vive-nos!

CAIM MATOU ABEL

* Matou-o no dogma dos Judeus, matou-o no dogma dos cristãos, matou-o no dogma dos muçulmanos. Depois de ter sido morto consecutivamente, três vezes, mais do que defunto, esse facto definitivo e os seus significados, deveriam ter deixado o assunto resolvido. Mas não. Caim insiste em continuar a matar Abel sempre que lhe é dada uma oportunidade. É tão recorrente que quase perdeu o simbolismo. São irmãos, mas nunca se irão entender. Não se escolhe a família. Hoje, Caim mata Abel por tudo e por nada e não precisa da desculpa das religiões para o fazer com descaramento. No entanto, uma religião – que esteja à mão -, é uma boa incubadora de ódios de estimação: Não és como eu, então és o demónio. Vou matar-te, por fora e por dentro, para que as tuas ideias não frutifiquem e se sobreponham às minhas. Depois de morreres digo que sou tolerante, aceito todos os contrários e limpo daí a minha consciência. Ouvindo e entendendo isso, as novas crenças, evangélicas e afins, algum

PELO SIM PELO NÃO

Considerei ficar em silêncio. O que tenho para dizer? Tomei essa decisão no meu íntimo, uma audiência a dois. Eu e eu. Sem contaminações externas. O meu silêncio. Era o que desejava. Apesar de ser fundamental, e ter uma opinião formada sobre o assunto, que considerei desde logo fracturante, pensei ser inútil manifestá-la publicamente. Um desperdício de oportunidade. Não para mim. Podia até ser incómodo. Dizemos uma vez e logo nos atribuem uma cor. Uma bandeira. Um lado da barricada. Não é isso que quero: escolher o lado do passeio que mais me agrada. Posso gostar dos dois lados e ter uma vida inteira feliz com essa escolha ambígua, ou vista à luz de outro ângulo, uma decisão sensata. Ninguém me pode apontar um defeito se eu passear com prazer por cada um desses lados, alternadamente, de uma forma descontraída. Fico em silêncio também por respeito, aos mais velhos e aos mais novos, a todos. É bom gozarmos dos bens tangíveis e intangíveis, úteis e fúteis, que temos à mão e pe

UM GOSTO PELA ETERNIDADE

Estive toda a noite a ser eterno, contemplando ausente de pensamento, uma música de Wagner: a abertura da ópera Lohengrin. Foi nesse flutuar, que tomei as rédeas ao tempo e algemei o espaço. Na dimensão do vazio, ou do pleno de tudo, os únicos espectadores dessa experiência, reconheci, aproximei-me e cumprimentei deus, que entretanto apareceu. Foi tão simpático que passarei a dizer Deus. Não tendo dualidade dúbia de critérios, cruzei-me com o diabo e acenei-lhe porque sou educado. Sem esperar que me considerasse, foi curioso, polido, pelo que lhe devo um tratamento futuro com maiúscula. Resolvidas questões metafísicas, segui em frente com a minha vida sem que ninguém me importunasse. Percebi que na eternidade, cada um é como cada qual. Fiquei confortável com isso. Acabei por vir a adormecer, já que a ausência de pensamento ao fim de algum tempo dá sono e não resisto em nenhuma circunstância a uma boa soneca. O que aconteceu após a audição continuada dessa abertura do

PASSA NÚMERO 12

Quatro mil milhões de mulheres e homens e crianças têm fome. Todos os dias nas suas vidas, têm fome. Vinte e nome humanos, dos mais de sete mil milhões de humanos, acumulam uma riqueza equivalente a quatro mil milhões de pessoas. Um só homem é muito pouco para mudar o mundo, mas se passar a palavra…

CONTO DE NATAL - A FESTA

Estava distante. Não respondia a coisas simples. Nomes. Todavia, sorria. Chegaram com acentuado atraso. Alguns começavam a estar incomodados com a alteração desnecessária da rotina. Ela sorria. Rapidamente montaram o que tinham a montar. Uma pequena caixa metálica pintada de azul, um azul ofuscante, piscava luzes verdes e vermelhas. É impressionante a área de tecto branco salpicada agora pelas intermitências projectadas dessas duas cores. E a sala não é pequena. Um ecrã de televisão com um tamanho generoso apresenta um fundo de mar azul. Percebe-se que é mar por ter pequenas ondas. Vão aparecendo frases a branco. Ele começa a cantar. Não se enganando, as palavras brancas ficam amarelas. Caso contrário, havendo erro, são vermelhas. A qualidade das canções escolhidas pode ser questionável. Como ela, estão quase todos distantes. Não olham para ele a cantar, não olham para o ecrã, nem sequer, apesar de razoavelmente grandes, conseguem ler as letras das c

BENEDITA E MÁRIO

A senhora Benedita é um doce de pessoa. Aquele tipo de ser, indiferentemente do género, de quem se gosta desde o primeiro momento. Benedita foi mãe solteira e assim se deixou ficar, não lhe fez falta ter mais família e muito menos a figura de um homem. Por nada em especial, nem antipatia sua, mas também não uma simpatia tão forte que a levasse a procurar e aceitar a companhia de um. O Mario, o filho, preencheu todos os espaços e bastou. Apesar de se sentir na pele de uma mulher feliz, se se sente isso na pele, sem outras ambições que as por si realizadas, pode dizer-se que não teve uma infância risonha. Começou a trabalhar desde que se lembra de falar, a levantar-se de madrugada para ordenhar as cabras, algures numa serra longe de tudo, filha de pais pobres. Nisso não sendo muito diferente da maioria das crianças da sua geração, descontando as privilegiadas, essas poucas em número. Como eles morreram cedo de mais para ela, mas quando estava contado vir a acontecer para eles, viu-