Temos direito a morrer?
Para muitos o último dia sem amanhã, é uma inevitabilidade
incómoda, queriam a eternidade.
Mas sim, temos esse direito, como temos de viver, se quisermos.
E mesmo que não seja assim – uma escolha afinal feita por
desconhecidos nos bastidores - é estimulante estarmos convencidos que podemos
fazer uma escolha.
O direito a isso, não vem por um qualquer mal explicado sentido
de posse, do corpo e do espírito. É um assunto demasiado sério para ser um capricho.
O sentido de posse é um dos logros dos homens.
Que esse direito está do lado dos homens por que sim, por ser
natural, por ser uma escolha que se deve respeitar, e que é em cada caso, uma
decisão pessoalíssima que não espera audiência, nem votos de mão no ar.
Tem-se porque se nasceu um dia e nesse dado momento histórico se
tomou posse lúcida dos invólucros materiais e imateriais que dão forma de jeito
ao homem e se assumiu a guarda desse ser que se trata pelo nome próprio, e com
o qual se tem a maior das intimidades devendo – nem todos o fazem – ter a maior
das reverências e bons tratos.
Devem-se respeitar as escolhas, mesmo as que não tomaríamos como
nossas. Não rejeitar – sem compreender - lançando anátemas, fundamental. Ter
pena, ou compaixão, ou defender irracionalmente uma qualquer teoria não
demonstrada que nos identifica como filhos de um criador sem nome e em
abstracto, e como tal, agarrados ao princípio do respeito absoluto pela sua
vontade, que não a nossa, uma coisa bafienta e pouco arejada que é sempre um
mau princípio de conversa.
Temos o direito a tudo, desde que saibamos – primeiro a nós –
explicar as escolhas. Que elas nos vistam adequadamente, que não choquemos os
outros mais do que uma certa tristeza, inevitável, de antecipação de perda, de
falta, de saudade.
Se somos amados, todos esses sentimentos irão um dia extravasar
nos outros por nós, quando a morte vier reclamar a vida.
Se os amamos de verdade, compreendemos a decisão difícil, e
depois, aceitamos, deixando-os suavemente ir. Deve ser assim.
O grande e corajoso desafio de pensarmos nisto, deve ser aberto
a todos, em diálogo, em troca de opinião, e finalmente em decisão. O melhor do
possível, que não há um melhor.
Com honestidade, ninguém deverá dizer que uns não podem discutir
este tema porque a ele não chegam na consciência do mesmo. É uma soberba, uma
pedantice, é um pecado. Todos devem discuti-lo, não há nenhuma opinião mais sábia
nem a do companheiro que está sentado ao lado, só pontos de vista.
Na grande amálgama de testemunhos, sairá a autorização de uma
conduta que passa a ser aceite, o menor dos males, ainda assim com a liberdade
garantida de que qualquer um de nós pode, se a consciência o chamar a isso,
decidir por si, lucidamente decidindo numa das mais difíceis decisões da vida
de qualquer um.
E decidindo, alguém terá que o executar por nós, aí começa o
problema, da consciência do outro!
Era decente e prova de grande maturidade que não houvesse
manipulação, culpabilização, vitimização, cacofonias encadeadas, poluições
escusadas. Que se conversasse construindo e que se ouvisse, muito e bem.
Era mesmo um sinal de grande responsabilidade humana, que não se
chamassem os nomes de Deus para uma discussão que pertence aos homens, ou pelo
menos à sua ideia de querem ser livres, que é convencimento legítimo, soltos para
pensar, para dizer, para fazer.
Espero que se fale de eutanásia com coragem e sem puritanismos
artificiais.
Obrigada pelo belíssimo texto Luís. Pergunto-me muitas vezes qual o direito de legislar sobre esta questão... como muitas outras, parece-me tão íntima, tão do foro do direito individual de Ser-se Humano.
ResponderEliminarPor outro lado, o mundo não é só feito de quem se coloca questões éticas e morais, amorosamente, humanamente. Há neste país e em muitos outros, uma muito apurada arte do aproveitamento do legal como justificação para o imoral. É aí que a lei pode ser importante sim. É também aí que, enquanto colectivo, podemos e devemos fazer ouvir as vozes que tantas vezes calamos.
Falar da morte, imaginar a própria morte e a relação com o momento é, segundo os maiores especialistas mundiais em felicidade - os butaneses (ou serão os butânicos?) - parte da receita para se ser feliz.