Assistiu-se a uma morte, hoje, de
manhã, quando ainda era demasiado cedo para acontecimentos deste impacto.
Faziam os dois o que pensavam que
era bom, uma caminhada com exercícios aleatórios nos aparelhos de exercícios
normalizados, para todos - jovens e velhos - que salpicam os jardins e parques
das localidades que ainda têm gente (já foram observados aparelhos destes em locais
completamente desérticos).
Ele tinha insuficiência cardíaca e
sabia, mas não sabia que não podia puxar os limites quando já não se tem
limites. No centro de saúde e na televisão diziam que o exercício dava vida e
ele acreditou. Faltou-lhe bom senso como a quem lhe disse que fazer exercício
era bom, é normal faltar o bom senso às pessoas.
Caiu fulminado no chão do parque
infantil e a mulher esteve meia hora a olhar para ele, a falar com ele, em
negação por ele não lhe responder, até achar que era tempo para chamar a
ambulância. Achou erradamente e já completamente fora do tempo.
Quem se ginasticava aquela hora
nesses aparelhos com instruções muito genéricas para consumidores que leem mas
não entendem - quem as escreveu acha que sim – quase todos velhos, não reagiu,
disfarçou, não quis ver nem tentar ajudar, ali ao lado, o homem estendido com
baba no chão – reformula-se: estendido no chão e babando – já com as cores de
morto.
Continuaram a ginasticar-se (mal) para
a vida, concentrados e sem atenções para quem foi para ali morrer.
Quando se chamou a ambulância já
era tarde, é provável que fosse tarde mesmo se se tivesse chamado a ambulância
nos cinco minutos a seguir ao incidente, nunca se saberá, mas não se tentou.
A ambulância, o médico, demoraram
uma eternidade, são poucos, fazem mais do que podem. Fica no entanto a sensação
para os acompanhantes das vítimas que eles demoram uma eternidade, neste caso
foram trinta minutos, o que para quem não respira é tempo mais que suficiente
para morrer definitivamente sem apelo nem agravo.
Diga-se por ser verdade que também
havia uma pequeníssima concentração de três espectadores desportistas idosos, como
se estivessem a fazer uma reportagem para eles mesmos, dando opiniões
entredentes, “está vivo ou meio morto”.
Se a cabeça pendia depois de uma
manobra de reanimação, “afinal está vivo”. Se na manobra seguinte os olhos
continuavam encerrados como sempre estiveram desde que feneceu, “afinal está
morto”.
A opinião geral era de que
“Coitado, não está nada bem, já morreu, mas o coração está muito fraco, estão a
ver se o recuperam”.
Os outros utentes do parque continuam
a fazer os seus exercícios de ginástica ao lado do ido, não têm tempo a perder
para continuarem vivos. Enquanto trocam de aparelho, agora pernas, depois
peitaça, vão-se perguntando sobre o estado mortal do defunto. Umas que não
podem ir ver, sofrem do coração, outras benzendo-se e rezando antes de
iniciarem uma nova série no aparelho do remo.
O desfecho final foi o esperado,
dada a situação, muito desagradável é certo, ainda mais num local onde se
celebra a vitalidade de todos os órgãos.
Uma coisa é certa o homem morreu, a
mulher não aceita o acontecimento, e os vivos continuam a fazer os exercícios
todos errados. Não interessa, desde que vivos faz bem.
Comentários
Enviar um comentário