Está um fim de dia exultante – para simplificar, satisfeito.
A esplanada cumpre a função como local de encontro de pessoas
que querem afrouxar.
É uma mulher bonita, ainda jovem, com pequenos sinais de
desleixo. Talvez não seja desleixo, pode ser um desprimor temporário.
O mais pequeno dos pormenores é fundamental, e quase sempre
determinante, há pessoas que se esquecem disso.
Pelo desconforto forçado que imprime à sua linguagem corporal, sabemos
que ela, nesse momento preciso, não se sente bonita nem interessante, e ela
também o sabe, só que não autoriza essa sensação trancada no inconsciente a vir
à tona.
Pôr-se bonito é estimular a atenção do outro a descobrir o
interessante, a acontecerem as duas coisas, ganha-se a lotaria.
Mesmo com essas incertezas, esforça-se. Tenta subtilmente o
contacto do corpo acompanhado das palavras, que não se revelam ao observador –
só se percebe o do corpo – dada a distância entre as mesas que os separa.
Quando fala com ele, na intenção de dizer, curva-se, quer
envolver a ilha delimitada pela mesa e as duas cadeiras preenchidas pelos seus
corpos. Reposiciona a colher de mexer o café do parceiro no bordo do pires – é
uma pessoa arrumada - brinca com a ponta dos dedos finos, cuidados, belos,
passando-os tenuemente sobre a superfície metálica do encosto de braços da
cadeira do companheiro.
Dá o melhor de si, na maior das dúvidas de ser bonita.
Ele – as costas não dão para perceber se é bonito e interessante
– defende o corpo, encostadíssimo à cadeira, as pernas esticadas para o lado
oposto onde ela pousa os pés de unhas arranjadas, calçadas numas sandálias
apetecíveis.
Com os braços cruzados no peito, para proteger o coração ouve-a,
ou finge. Não ouve, engana-se a si próprio.
O observador sofre imensamente – um abuso de estilo porque não é
imensamente, nem sofrimento - imaginando expectativas e desfechos: elaborou uma
opinião distanciada – mas ficou refém da história porque entrou nela sem
convite – e agora, já não são dois, mas três.
E um deles não se fez convidado: ele!
Foi decorrendo o tempo que conta para o final de dia, com o
trafego normal dos que chegam e saem de uma esplanada num dia de verão. O sol a
pôr-se sem mais alternativa, que a de se ver obrigado a recolher.
Está a ficar fresco, veste a camisola.
A mulher que é bonita e insegura, afinal é uma lutadora: não desiste
de o amaciar em seduções. Algum sussurro interior lhe dirá que neste deve
apostar tudo e aceita esse cicio da intuição.
O seu caderno das oportunidades está nas últimas páginas, é bela
e ainda jovem mas já vê a linha do bojador da vida a aproximar-se. Ou escreve
qualquer coisa, ou guarda a sebenta no esquecimento de uma gaveta num móvel sem
uso, arrumado no sótão.
Mas não será com este homem (mera suposição, analisados os
sinais exteriores), e o observador amisera-se por estar sentado na periferia da
mesa errada, porque descruzaria facilmente os seus braços ao menor descuido
desta sedutora, esboçasse ela o gesto de se curvar para o envolver.
Pelo menos assim imagina – talvez porque esteja sozinho. Assim
se tece uma ilusão.
A história verdadeira é que o outro está de braços cruzados e
afastadíssimo, não porque não a ache bonita e com umas sandálias desejáveis,
mas porque cada vez que ela se curva para o envolver, exala uma assopradura que
anula qualquer possibilidade de amor.
E o observador a roer-se de inveja!
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